Cultura jurídica brasileira, faculdades de direito, ensino-educação e desenvolvimento de jogos

Texto originalmente publicado em 10 de julho de 2022. Revisto e atualizado para incorporação de neolinguagem.

No Brasil, algumas faculdades de Direito tem o costume de introduzir conceitos e teorias a partir de dois livrinhos em prosa do Lon Fuller e do Dimitri Dimoulis: o caso dos exploradores de caverna e o caso dos denunciantes invejosos. É um costume, como disse. Portanto, se trata de uma apresentação limitada e quase irrefletida em muitos sentidos – algumes estudantes e professóries estão convencides de que isso é suficiente, no entanto.

Embora mesmo as situações-limite apresentadas naquelas histórias sejam bastante esquemáticas (muita coisa fica de fora em se tratando de pensamento jurídico e nuances importantes das diversas correntes filosóficas, além de ser um apanhado de índole francamente colonial) aqueles são dois bons títulos pra usar como referência, por exemplo, para a criação de jogos jurídicos, sejam jogos em mídia física ou não.

Por alguma razão a qual eu nunca me aprofundei, a discussão sobre gamificação no campo do Direito no Brasil – e, mais amplamente, uma sobre desenvolvimento de jogos que se relacionam com temas de direito – é praticamente inexistente. Pode ser um paradoxo com origem no próprio Direito: a propriedade intelectual, a dificuldade na aquisição de licenças para criação ou mixagem do conteúdo de obras existentes, o desinteresse em estabelecer uma rede abrangente de intercâmbios entre acadêmiques e profissionais de fato interessades no processo e na progressão do pensamento jurídico, e não na pompa/pavulagem e manutenção do status quo.

É possível e é interessante criar jogos em cima daqueles dois títulos, mesmo se considerarmos que designers/desenvolvedóries de jogos podem ou não ter conhecimento prévio em programação, em se tratando especificamente de jogos eletrônicos. Existem diversas ferramentas de tipo drag-and-drop e que possibilitam a invenção de jogos jurídicos por parte des estudantes de direito e da comunidade acadêmica jurídica, ainda que não familiarizada com programação. Essa também é uma boa oportunidade de criação dos comuns (creative commons) nos campos de intersecção entre o direito, a arte e a tecnologia.

Mas pra que isso um dia chegue a se tornar realidade, seria necessário questionar – numa atitude política fundamental – aspectos mais amplos do Direito e do Ensino do Direito ou da Educação Jurídica. O que devemos fazer com o Direito, se a plasticidade do Ensino do Direito não se ajusta exatamente aos valores do capitalismo?

O que vamos fazer com nosso Direito e da nossa Educação Jurídica?

Referência: What Should We Do With Our Games? A metagaming manifesto by Stephanie Boluk and Patrick LeMieux inspired by What Should We Do With Our Brain? by Catherine Malabou.

Última atualização: 21 de fevereiro de 2024, 23:58h.