#000187 – 22 de Maio de 2020

Os primeiros textos que me publicaram, tipografei-os. A máquina de escrever era pequena e versátil. Já um pouco mais avançada do que as primeiras que vi o meu pai usar. Era elétrica e para apagar bastava carregar numa tecla. O meu pai chegou-me a ensinar a corrigir uma letra errada. Era um processo delicado, tinha de se saber voltar à mesma linha e ao local exato da gralha. Typo, em inglês, é termo que vem dessa prática. Um golpe com a mesma tecla e quase desaparecia a letra errada. A repetição do erro apagava-o. Esta agilidade agressiva e precisa, esta cadência hipnótica e maquinal inspirou-me reverência.

A máquina elétrica da paróquia era muito mais prática, as teclas não precisavam de ser marteladas. E o jornal era fotocopiado, como uma espécie de fanzine católica. Era distribuído por nós, a quem saía da missa, como um panfleto cristão. Conheci a ética DIY na era grunge, mas não era punk. Usava botas de biqueira de aço por debaixo da túnica branca. Acreditava que Jesus foi o primeiro hippie e o meu cabelo era uma comprida confusão de caracóis. Demorei muito a desacreditar em Deus. E já não escrevo poemas ajoelhado sobre a cama. A minha religião chama-se humanidade. E conto histórias porque tenho muitas perguntas.