Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa

A pedidos, resolvi explicar melhor sobre os motivos de eu não ter gostado do terceiro capítulo dessa franquia. Vou testar publicar esses textos mais crus aqui e ali, mas já aviso que não serão a regra e ainda esse mês irei lançar o segundo artigo “grande” e mais elaborado do blog.

Este texto contém spoilers.

Pôster do filme

Minhas expectativas não estavam altas para este filme. Não significa que esperava que o filme fosse ruim, só que não estava ansioso aguardando o lançamento. Já fui muito fã do Homem-Aranha no passado, hoje não vejo lá muita graça além dos filmes do Sam Raimi, que se destacam bastante dos outros em qualidade.

Ao sair deste filme, estava com a mesma impressão que saí dos outros dois que fazem parte do MCU (quer dizer, os dois cujo Peter é interpretado por Tom Holland, já que agora todos os outros também fazem parte do MCU). Ou seja, um filme bom, bacana. No tempo de sair da sala de cinema e chegar em casa refletindo sobre ele, já concluía que esse talvez rivalizasse The Amazing Spider-Man 2 como o pior filme do herói.

Comentários

Começando pela direção, Jon Watts perdeu uma oportunidade perfeita de fazer um filme com uma linguagem extremamente rica. Essa trama, por trazer outros heróis de outros filmes muito diferentes com seus vilões, implorava para que ele trouxesse a linguagem dos outros filmes também. O quão legal seria se, quando Andrew Garfield fosse enfrentar o Electro, eles também congelassem a cena e a câmera passeasse pela cena fazendo vários planos-detalhe da luta dos dois, como aconteceu no filme deles? Ou quando Tobey Maguire fosse enfrentar o Duende Verde, o filme colocasse a câmera em plano médio com ação sem cortes e coreografias afiadas, como era tão comum em sua franquia? Nós tivemos traços disso quando notas breves apareciam na trilha sonora, ou na cena em que Norman quebra o capacete do Duende, muito bem-vindo, mas pouco. Manter a mesma direção “funcional”, sem imaginação dos outros filmes foi fatal até pro tema que o filme queria passar, tornando muito difícil inclusive acompanhar quem é quem nas cenas de ação.

Falando em tema, qual seria ele? Acredito que este filme tentou trazer uma releitura da história de origem dele, com a morte da tia May e a famosa frase finalmente aparecendo. Ao final, o túmulo dela é o que, para mim, contém o tema do filme: se você ajuda uma pessoa, ajuda todas as pessoas. Eu não esperava isso e apreciei essa releitura, mas a narrativa faz o possível para diminuir essa mensagem.

Ora, se todo o conflito gira ao redor de ajudar e curar os vilões para que não morressem, por que nós não vemos o resultado dessa cura? O que aconteceu quando eles foram recolocados em seus universos? Isso gerou consequências terríveis como Dr. Estranho alertou, ou os salvou? O filme fecha com uma nota feliz, sugerindo que tudo correu bem após aqueles eventos, mas não nos mostra que isso ocorreu, o que diminui o impacto da mensagem.

Não somente por conta da temática, essas cenas eram absolutamente cruciais por mais dois motivos:

  1. Nos explicar as regras do multiverso. Aquelas pessoas foram retiradas de pontos diferentes no tempo; Norman Osborn já estava morto quando Dr. Octopus foi transportado para aquele universo. O que aconteceu quando retornaram? Naturalmente Norman não ter morrido iria influenciar bastante a vida de Otto e do próprio Peter.
  2. Concluir o desenvolvimento de personagens. Eles aqui estão mexendo com anos de histórias. O Peter do Tobey já é um adulto de meia idade, com décadas de experiência após os eventos da trilogia. Não tem como uma interação com Otto curado ser casual e se resumir a uma troca de duas frases, sempre envolverá uma carga dramática forte. Já que estão se propondo a continuar aquelas histórias, a desenvolver suas personagens e trazer novas dinâmicas, isso precisa ter uma conclusão.

Ainda no roteiro, gostaria de questionar também algumas decisões importantes sobre algumas personagens emprestadas. Em vários momentos eles faziam coisas que não faziam nenhum sentido considerando o que sabemos sobre eles. Por exemplo, o Duende Verde golpeando de maneira possivelmente fatal o Peter do universo DELE. Talvez matando ele do mesmo jeito que o Duende morreria originalmente, inclusive; com uma oportunidade muito legal para trazer simbolismo e peso à cena. E como o vilão reage? Ele se aproveita do momento para provocar o Peter de Tom, como se aquele golpe fosse um meio para continuar a o atingir emocionalmente. Uma reação totalmente discordante do que ele faria na realidade.

E mesmo sem levar em consideração o desenvolvimento, podemos questionar em lógica narrativa. Nesta mesma cena, se o Peter de Tobey iria sobreviver sem maiores problemas, por que é que ele sequer foi esfaqueado ali? Outro exemplo simples que me vem à mente é o do Ned abrindo portais mesmo sem passar por um treinamento de meses para possuir essa técnica, como vimos no filme Dr. Estranho (2016), mas o filme é lotado de incongruências lógicas como essas (nem vou comentar sobre a conclusão da trama da universidade na ponte e a conclusão da luta com o mago supremo do universo...) e depende de conveniências absurdas para funcionar, como Flash não só passando onde gostariam, mas tendo o contato da responsável pela universidade; ou mesmo todos os Peters terem uma solução mágica que planejavam “há muito tempo” para seus vilões que já tinham sido derrotados há anos e anos, com todos os materiais necessários em um laboratório escolar e um tempo de produção de algumas horas.

O roteiro infelizmente também possuía alguns diálogos de revirar os olhos de vergonha alheia, como Norman repetindo um meme famoso quando preso e Tobey insistindo para Andrew se chamar de “amazing”. Alguns diálogos também iam de encontro à personalidade de algumas personagens, um desafio ao se unir em uma só obra franquias com tons e narrativas tão diferentes. Ver o Otto de Alfred Molina participando das piadinhas clássicas da Marvel foi desagradável.

No entanto, nem tudo foi desastre. O roteiro também vai pra uma direção muito bem-vinda (e retirada dos quadrinhos) com o Peter de Tom recebendo o peso da responsabilidade nas costas e se aproximando da essência do que realmente é o Homem-Aranha, fazendo uma espécie de reboot velado, finalmente saindo da sombra de Tony Stark. Em poucos segundos vemos elementos clássicos como ele fabricando sua própria roupa, ouvindo o rádio da polícia e morando em um apartamento pequeno antecedendo seus problemas financeiros.

Na minha opinião, todos os atores fizeram um excelente trabalho com o material que tinham, especialmente Willem Dafoe, que aparenta ter vivido Norman por todo esse tempo devido ao conforto absoluto com que atua. Além disso a trilha sonora já mencionada é excelente em combinar o familiar com o novo, transitando de maneira muito orgânica quando necessário.

Edit: Eu acreditava que pela magnitude das ações do Mysterio em Far From Home e pela relevância dos temas sobre pós-verdade, fake news e manipulação de narrativas, o filme fosse seguir na sombra desse vilão e trazer uma discussão nesse sentido (o que seria muito bom), mas entendo que a proposta do filme é outra e precisamos analisar o filme pelo que ele é.

Súmula

A Marvel é muito boa em convencer as pessoas de que uma decisão puramente financeira foi motivada por amor ao produto, amor este que o fã se identifica. O que aparenta ser uma homenagem ao passado é na verdade um apelo barato e gratuito à nostalgia, que não busca desenvolver as obras que está se apoiando, somente sugar o necessário para vender e depois deixar de lado.

Como você pôde perceber, tenho um carinho e um conhecimento mais profundo pela trilogia dirigida por Sam Raimi, mas todos os exemplos que usei também podem ser facilmente aplicados e exemplificados pelas personagens da série “Amazing”.

Gostaria de fechar com uma recomendação: se você quer ver uma aula de como conduzir essa história, assista à animação Homem-Aranha no Aranhaverso (2019). É exatamente a mesma proposta, mas conduzida com perfeição em todos os sentidos, sendo inclusive inovadora e criando tendências que outras animações estão seguindo.

Por Rafael Marinho Normande

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