Causos de Minas

Coletânea de pequenos acontecimentos cotidianos intencionalmente dramatizados. Por Victor Torres [talk@victortorr.es]

Cidade do Rio de Janeiro. Domingo. 30ºC. Sol. Zona sul. Uma combinação assaz agradável para qualquer morador em busca de lazer ou um turista à procura de um canto na praia para descontração. Para mim, era hora de voltar para casa após um cansativo e tumultuado turno em uma casa noturna. Trabalhar atendendo as pessoas durante a noite e madrugada requer profundas mudanças na rotina, o que modifica a perspectiva em que vejo a cidade. Enquanto ela dorme, eu trabalho e vice-versa.

Ao ligar o alarme e trancar a porta de acesso, a rotina me ajudara. Meus ouvidos foram capazes de captar o ruído do motor daquele mesmo ônibus que sempre pego depois do expediente dominical. Em clara demonstração de agilidade e desenvoltura corporal, fui capaz de chegar até a parada do ônibus ainda com um sorriso no rosto. Era domingo, a casa noturna ficaria fechada até terça e eu não tinha compromisso algum para os próximos dias. Paz!

Entrando no coletivo, deparei-me com o motorista Zé Paulo, velho conhecido. Há meses repetimos a mesma rotina: enquanto ele faz a primeira viagem do dia, eu sigo para casa depois do meu turno. Não éramos amigos, mas de tanto se ver exatamente naquele mesmo horário, criamos uma espécie de prosa espontânea ao longo do tempo. Os assuntos eram os mais diversos, desde o aumento da gasolina até quais cidades na Bahia são banhadas pelo São Francisco.

Zé Paulo era uma pessoa muito verbosa, mas não parava de falar um segundo. Eu quase nunca conseguia terminar uma sentença sem ser auto-completado por ele, o qual já remendava o assunto em outra temática casual. Apesar disto, era um momento engraçado. Eu me divertia com estas curtas viagens até minha casa.

Naquele domingo em especial eu não me atentara ao noticiário nem sabia o que se passava na cidade, era apenas mais um dia comum. Durante a viagem, Zé Paulo, que articulava sobre a demarcação de reserva ambiental na cidade de Caxias, calou-se de forma repentina. Aquilo não era normal, fugia do enredo de toda viagem de todo domingo. Num primeiro momento pensei que se tratava de algo grave, estaria o motorista passando mal? Atentei-me ao sujeito que apresentava olhar afiado, severo e concentrado no retrovisor direito. Suspeitando nova razão para o silêncio do Zé Paulo, contornei minha cabeça lentamente para a direita com o intuito de identificar tamanha causa daquele mistério. Nada vi de especial: carros comuns, ônibus comuns, motos às centenas. Desisto. Perguntei com curiosidade: “Zé, o que está acontecendo?” e a resposta foi seca e direta: “O Ônibus do Flamengo”.

Até aquele momento eu não sabia qual era o fervor e devoção que Zé Paulo dava ao Flamengo. Sabia que era torcedor do time, mas nunca ouvi nada mais do que críticas eventuais e breve resumo do jogo do dia anterior. Infelizmente iria descobrir naquele instante que o motorista era um torcedor fanático do Flamengo. Quando digo “fanático” gostaria de dizer na verdade “perturbado”. Zé Paulo incarnou naquele momento o torcedor-chefe do time, transmutando de motorista casual para escolta público-privada do ônibus do Flamengo até sabe-se lá onde. Coloquei as mãos no rosto e já sabia que não iria chegar cedo em casa naquele dia.

A descoberta do nível de fanatismo de Zé Paulo pelo Flamengo ocorreu por etapas, sendo o silêncio a primeira delas. Ao perceber que o ônibus do Flamengo se aproximava pela pista à direita, Zé Paulo mudou de cor: ganhara uma tonalidade vermelha, como se os batimentos cardíacos tivessem triplicado. A buzina, antes utilizada para chamar a atenção de outros veículos e pedestres desavisados, tornara-se instrumento de aclamação ao outro veículo. Os gritos ensandecidos de apoio ao time rubro negro começavam a gerar preocupação nos outros 2 ou 3 passageiros que estavam mais ao fundo do veículo. Pensei em formas de intervir e evitar um possível acidente, já que Zé Paulo não olhava mais para frente e tentava acompanhar a mesma velocidade que o ônibus do Flamengo.

Após mais alguns segundos de pura tensão, o ônibus do Flamengo tomou uma saída da avenida e Zé Paulo, talvez por desatenção ou por não ser tão maluco assim, continuou a seguir em frente no percurso. A transmutação daquele torcedor foi revertida instantaneamente. O motorista Zé Paulo reapareceu naquele momento, limpando o suor da testa com o braço e se recompondo no assento do motorista. Silêncio.

Instantes depois era o meu ponto de parada. Ao descer, já me despedindo como sempre o fiz, Zé Paulo lança a pergunta como se nada houvesse acontecido: “Vai no jogo hoje? Final da Copa do Brasil”; respondi: “Hoje não... eu preciso dormir”. Com um corriqueiro “tá bom”, fechou a porta do coletivo e seguiu viagem tranquilamente. Desde então, por razões claras, comecei a me interessar pelo trajeto dos meios de transporte do Flamengo ao voltar do trabalho. Isto talvez possa me salvar a pele um dia.

Estatisticamente, as coisas mais inusitadas em que percebo no transporte coletivo acontecem sempre nos horários em que há maior concentração populacional. Porém certo dia fui pego de surpresa. Era tudo previsível naquela tarde voltando do trabalho: o empurra-empurra, o spoiler da novela das 9, o calor, a dor nas costas, o cara que grita e vende bala ao mesmo tempo, etc.

Estava eu em pé procurando ar e tentando abrir aquela janela no teto do coletivo quando observo um senhor de idade muito avançada, que estava próximo ao motorista, passar insistentemente a roleta e ficar no meio daquele labirinto dinâmico e infernal em que me encontrava. Este aristocrático senhor demonstrava muito cansaço além de demasiada fraqueza para se manter em pé. Era triste, de verdade.

Claro, nenhuma boa alma deixa o velho sentar (fingem que não estão vendo) e só me resta ficar extremamente puto, principalmente para os abomináveis que sentavam nas cadeiras preferenciais e não apresentavam qualquer razão para dormirem lá.

Depois de alguns minutos, uma moça, sentada na minha frente, se levanta para descer do coletivo e nisto vejo que aquele senhor poderia ocupar o lugar. Porém antes que eu pensasse em virar meu rosto pra ver se achava o bendito, desce o Mumm-Ra e os antigos espíritos do mal naquele ônibus incoporado no corpo do ancião. O nobre senhor consegue, em humildes 0.7 segundo, pular cerca de 4 metros dentro do coletivo lotado e aterrisar naquele lugar que sequer dispersou o mínimo de calor que o último usuário deixou ali.

Fiquei espantado olhando por vários minutos para aquele senhor. Tudo que consegui pensar durante um bom tempo foi naquele cidadão chamando o Abutre, Chacal e Escamoso além de invocar os antigos espíritos do mal. Foi um momento esquisito, porém intrigante. O único revés é que fui atingido pelos rápidos movimentos obscuros do fidalgo portador de cabelos brancos.

Hoje foi um dia raro. Por algum motivo ainda desconhecido eu estava posicionado dentro um coletivo relativamente vazio. Metade das cadeiras estavam ocupadas. Isso me preocupa e me deixa feliz ao mesmo tempo.

Enquanto escuto minhas músicas aproveitando para reparar em como o chão do ônibus é intrigante, reparo que um senhor relativamente obeso entra no veículo. Com sua calça apertada e camisa social meio aberta pelo demasiado calor do dia, ele se senta no primeiro lugar vazio que vê depois de se espremer um pouco na roleta.

Tudo na paz até que o momento da troca entre uma música e outra percebo que o celular do amigo toca. Foi facilmente notado porque era um berrante ou algum instrumento medieval que simulava um som de um boi e o senhor tomou um susto colocando a mão sobre a calça para ter aquela certeza absoluta de que só podia ser seu aparelho eletrônico a alertar todo o coletivo.

Pois bem, meu mp3 paraguaio começa outra música e não escuto mais o mundo lá fora, apenas observo o cidadão tentar pegar o celular no bolso. Este, num primeiro momento, tenta enfiar a mão inteira no bolso .... não consegue. Num segundo momento tenta enfiar o polegar e o indicador, como uma pinça, mas sem sucesso, a passagem do bolso estava completamente bloqueada.

Permitam-me explicar com mais detalhe a situação. Dentre inúmeras alternativas, não sei se foi o cara que comprou um número a menos ou a calça encolheu ou ele engordou mais, mas o fato é que a vestimenta estava bastante colada no corpo dele. De fato era um número menor do que deveria usar.

Quando o cidadão sentou na cadeira, a gordura localizada na perna dele se espalhou, tornando a calça mais apertada ainda e fazendo com que todos os bolsos fossem consumidos por um único tecido que envolvia a perna inteira daquele nobre senhor. A calça não tinha mais bolsos, tornara-se uma segunda pele, uma peça de arte para um artista com a inspiração certa.

Assim que vi que o prezado não conseguiu puxar o aparelho nem mesmo com a técnica da pinça de mão, este optou por outros métodos alternativos para tentar recuperar o tal celular. Ai eu parei a música, queria acompanhar com mais detalhes.

O bichinho continuava a tocar e o cara continuava com a pinça sem efeito. Era o Homem-Pinça em ação. Assim que percebeu que de jeito nenhum o celular seria extraído da sua agora segunda pele, decidiu dar pequenos pulinhos pra ver se a calça liberava espaço e o buraco do bolso aparecia. Absolutamente curioso, achei por alguns instantes que aquele homem fosse físico teórico, pois sabia o que estava fazendo... ou não.

Novamente sem sucesso, na quarta tentativa do pulinho combinado com a pinça me pareceu que ele machucou seu dedo indicador. Isto porque quando conseguiu dar um pulinho no banco e abrir de uma forma mágica 1cm³ de bolso, houve tempo apenas para enfiar os dois dedos no bolso mas não de puxar o aparelho de volta. E assim ele esmagou a própria pinça quando suas nádegas voltaram a beijar o assento.

Após esta falha, portanto, continuava a gritar o berrante. A ligação era insistente.

O nosso impaciente trabalhador começou a ficar desesperado. Agora levantou apenas uma nádega, aquela do lado do bolso que queria acessar. Tentou uma nova técnica para extrair o dispositivo do bolso: A técnica do arrastamento exterior. Este método consiste basicamente em você ficar arrastando o objeto que se quer tirar do bolso com as mãos mas por fora da calça, levando o artefato até a saída para que ele possa ser utilizado fora do recipiente sem delongas.

Deu pra ver que o celular se moveu, mas não o suficiente para sair do bolso, a saída realmente estava bem difícil.

Continuava a berrar o bendito.

Por fim, pensei que ele iria se levantar e pegar o telefone, porque assim a calça iria aliviar um pouco a pressão que fazia nas suas pernas.

Negativo. Ele demonstrou estar puto da vida, envergonhado e cansado demais com a missão fracassada. Sentou-se normalmente e deixou tocar.

Liguei minha música de novo. Quando ele se recuperar deste episódio verá quem o ligou. Espera-se que não tenha sido nada importante.

Coletivos deteriorados são comuns em qualquer parte do país. E seu estado de manutenção é uma ótima justificativa para gritar aos quatro ventos como a qualidade do transporte não muda e a passagem aumenta a cada ano.

Certa vez durante uma viagem comum de volta para casa às 17h, três elementos dentro do velho coletivo se combinaram:

  1. A clara situação de ajuda humanitária em que o automóvel se encontra durante o horário de volta para casa (17h, 18h). Quatro pessoas ocupando um metro quadrado e ainda sim o zeloso condutor parando em todo ponto para mais cidadãos entrarem.

  2. Motorista extremamente estressado, com desejo de matança a qualquer alma viva que passa perto de si. Porém este não comete crime algum pois prefere manter o emprego, o que não o impede de descontar toda a raiva acumulada no acelerador e nas manobras, com arrancadas brutais e movimentos suspeitos no trânsito.

  3. Uma catraca mole. Já viu uma dessas? São aquelas em que o trocador tem que ficar segurando com o pé senão ela começa a rodar sozinha. Parece que não recebe manutenção há uns 20 anos ou veio assim de fábrica mesmo. É evidente que o agente de bordo segura a coisa pra ela não sair contando e descontando pessoas fantasmas que passaram por ela, caso contrário o pescoço dele estará em jogo na companhia.

Somados estes três fatores, o evento observado acontece quando uma senhora comum, voltando de um dia comum de trabalho, sobe no balaio. Esta, já notando que o condutor do veículo está soltando espuma pela boca, se previne e segura firme onde pode para se manter em pé logo na porta do coletivo, já que é fisicamente impossível prosseguir para além do mínimo e espremido espaço o qual ela ocupa naquele ônibus.

Com o passar do tempo, a delicada dama, de alguma maneira inexplicável, consegue chegar de forma segura da porta do ônibus até a catraca mole, porém a combinação fatal de dois efeitos acontece: Ela solta as mãos e as deixa ao ar livre para abrir sua bolsa e achar o cartão BHBus + O motorista vê uma brecha no trânsito a qual iria adiantar seu trajeto em incríveis 2 segundos, bastava manobrar para dentro da outra faixa rapidamente.

Pessoalmente eu nunca vi uma pessoa voar, mas acho que hoje observei a experiência mais próxima disso até hoje na minha vida. O amigo condutor pisando fundo no acelerador pra ver se seu veículo consegue se teletransportar pelo alto emprego de força no motor faz com que a inocente senhora receba seus votos de “teletransportidade” e suma da vista do trocador em questão de milésimos de segundos parando no chão mais ao centro do coletivo com mais 4 ou 5 pessoas afetadas pelo golpe involuntário. Esta passou pela catraca mole contabilizando, creio eu, umas 4 ou 5 rodadas completas.

Desespero pra lá, xingamentos pra cá e hematomas contados, eu tive que descer poucos minutos depois pois era meu ponto. Fiquei curioso pra saber quem iria pagar/reportar/abortar as passagens fantasmas que foram contabilizadas no ônibus. Tem como descontabilizar rodando essas catracas loucas ao contrário?

Antes de iniciar o causo, gostaria de enviar meus sentimentos para os usuários de transporte público de Contagem/MG. Eu pensei que teria de ir para uma cidade mais distante de um grande centro urbano a fim de provar um meio de locomoção mais insano.

Nos últimos meses tenho utilizado transporte coletivo do município Contagem como meio de locomoção até a faculdade. Pra quem não sabe, Contagem é uma cidade vizinha de Belo Horizonte (onde moro) mas que você só sabe que está nela quando a cor dos coletivos que passam na rua muda ou quando as pessoas começam a falar que foram lá em Belo Horizonte resolver alguma coisa.

As experiência que tenho com coletivos contagenses não são boas. Os veículos são aparentemente mais velhos e mais desconfortáveis que os de BH, possuem elevado percentual de gente estranha, apresentam falta de manutenção anual entre outras características que me assustam.

Pois bem, estava eu voltando da aula logo após a hora do rush da tarde, assim evitava de pegar um coletivo lotado que só tem uma porta de saída para evitar homicídio culposo (sem intenção de matar) ou genocídio (quando eu de fato preciso descer NAQUELE PONTO!).

Apesar da escolha de um horário mais flexível, o coletivo que vai até próximo a minha casa funciona como uma balança da destruição. Ou você sente a fúria do excesso de passageiros que dão sinal lá perto do trocador pra descer naquela maldita porta minúscula no final do ônibus ou você sente a fúria do coletivo vazio sendo conduzido pelo chauffer do satanás.

Eu sempre preferi o chauffer do satanás pois conseguia me manter até que bem equilibrado e chegar em casa sem muitos hematomas.

Até hoje.

Certa noite estava eu tentando me manter freneticamente parado (é um paradoxo mas que faz até sentido na prática) dentro do coletivo para não ser arremessado para fora quando subitamente algo totalmente inesperado aconteceu. Após uma lombada que possivelmente deixou marcas na pista, tudo ficou suave. Sem mais buracos, sem mais componentes mal lubrificados gerando sons irritantes, sem terremoto naquela lata enorme dos anos 80.

Foi tudo tão sereno que achei estranho. Fui verificar o tal asfalto “tapete” para paz tão imensa dentro do coletivo e ensaiei colocar a cabeça para fora da janela.

Possivelmente este foi um dos piores erros da minha vida.

Não é possível que dentro da cidade um ônibus suicida conduzido pelo chauffer do satanás fique rodando sossegado. Cheguei a refletir sobre minha morte e que agora estaria numa espécie de “highway to hell” ou “starway to heaven”.

Quando enfiei a cara na janela todo curioso pra saber o porquê daquele paraíso de asfalto percebi que o coletivo na verdade estava era suspenso no ar pronto para um ataque apocalíptico no chão.

Infelizmente não deu tempo de reagir quando percebi que, na verdade, eu era passageiro de uma bomba pronta para arrebentar tudo que visse pela frente. A carroceria bateu no chão com toda a força possível e, com esta mesma força, minha testa bateu no suporte da janela.

Escrevo este texto com um belo galo na cabeça ainda relembrando o momento exato em que tudo que fiz foi gritar mentalmente “AGORA FODEU!!”. Foi o xingamento mais honesto de toda a vida, estou espantado com a honestidade do pensamento até agora.

O chauffer do satanás cumprira sua missão. Hoje eu tenho certo orgulho pois só uso este coletivo para ir até meu centro de estudos e não mais para voltar, já que agora ando uns 2500m morro acima para pegar um outro ônibus só que de BH e que me deixa um pouco longe de casa, só que vivo.

Já eram 18h, ônibus lotado. E lotado daquela forma especial em que as pessoas ficam “enmuradas” na porta. Sim, enmuradas, o estado em que seu corpo estaciona no espaço-tempo e que qualquer tentativa de lomocação é ignorada pelo universo.

Às vezes concluo que o transporte animal é dado de forma humana, e o transporte humano é dado de forma animal. Talvez alguém embaralhou as coisas na hora de criar o sistema público de transporte, ou o cidadão se descuidou nas palavras quando criava a licença de transporte bovino e a daquele bairro super-populoso que possui só uma linha para o centro da cidade.

Você alguma vez na vida já foi o cara do joinha? O cara do joinha é aquele que, dada a condição subhumana do coletivo, avisa ao trocador/agente de bordo lá na frente quando a porta de trás pode ser fechada levantando a mão e fazendo um joinha para o teto. Isso acontece geralmente porque o espelho que inicialmente deveria ajudar o agente de bordo fica tampado por pessoas tornando a visualização do mesmo bem difícil. Quando este caso acontece, há uma pequena chance de aparecer uma boa alma que, ao descerem todas as pessoas que queriam ficar naquele ponto (tarefa que demora por causa da espremida e os incansáveis “com licença”), avisa o nobre economista do coletivo que a porta já pode ser fechada e o carro a seguir viagem.

Em um certo dia, por sorte, muita sorte, sortíssima, eu estava sentado. E dada a condição do coletivo, tinhamos um cara do joinha lá na porta de trás. Ótimo, “é gente ajudando gente”. A cada ponto, o ônibus parava por cerca de 1 ou 2 minutos por causa da dificuldade que as pessosas enfrentavam para descer. É muita gente, muito empurra-empurra e uma doce alma sempre resolve querer descer quando a porta se abre mas está ao lado do da catraca, depois que já pagou passagem.

Tudo ocorria dentro da normalidade até que chegamos em um ponto em que se passou 1 minuto, 2 minutos... 3 minutos... no 4º minuto as pessoas começaram a ficar impacientes e diziam ao justo condutor para ir embora ao mesmo tempo em que procuravam como canibais quem mais naquele formigueiro iria descer. O trocador ficou esperando o cara do joinha mas nada dele levantar a mão. Estranho.

Quando até a demora me incomodou, olhei pro lado procurando o cara do joinha e cadê ele? O cara tinha descido naquele ponto e todos os presentes deram os ombros para isso e ficaram aguardando um fantasma levantar o braço ou outro voluntário o fazer.

Eu nunca vi tantas pessoas xingando o cara do joinha, o cobrador, o motorista, elas mesmas e mais quem estava na rua ao mesmo tempo. Era um xingatório em massa e todos eramos vítimas e criminosos. Meu cérebro começou dar lapsos de confusão pois pensei que deveria dar um soco na minha pórpria cara porque eu também participava daquela estupidez coletiva.

Por fim, o barulhão cessou depois que o motorista fechou a porta e engatou a primeira. Alguns ainda insistiam em xingar o cara do joinha, o cobrador e quem estava perto da porta traseira mas a vontade de chegar em casa era deveras maior.