IA e seus demônios: qual a direção do debate?

Inicio dizendo que não sou artista ou produtor de conteúdo (não mais), mas tenho umas motivações para comentar sobre. Primeiro que sou um entusiasta de tecnologias como um bom nascido nos anos 2000; outro é que meus amigues estão tratando sobre esse assunto também dando seus pitacos e... sinto dizer que discordo de alguns. Vou destrinchar isso no decorrer do texto, mas, não é que discordo do argumento principal, mas é que acho que não é ele quem deve ser a vanguarda do debate.

Vou dividir assim: 1) Truques e Portfólio; 2) O que me assusta de verdade; 3) A vanguarda do debate

Truques e Portfólio

Vi uma galera falando muito sobre uma IA de geração de “vídeos” (já volto aqui)[1] esses últimos dias; hoje não mais, mas na minha adolescência trabalhei como editor de vídeos e, por isso, me chamou atenção e... é... me assustei, mas assim, também nem tanto. Não foi a Sora que me assustou, mas o que ela poderá vir a ser. Abaixo os motivos.

Todo artista já trabalhou pra caralho e, claro né, gente; nem tudo é perfeito. Sempre tem um job ali que a gente meio que sente um pouquinho de vergonha, as vezes algo que só você notou mas você sabe, que quem sabe e conhece sobre, vá notar também. É por isso que se tem um portfólio. O portfólio é ótimo pois a gente coloca ali os nossos melhores trabalhos; é aquilo, também nem toda quermesse que a gente participa vai para o currículo no Lattes, rs. É óbvio que ali eles selecionaram ali os melhores takes, de uma ruma, tenho certeza; ali é um grande portfólio de promessa. E assim, quem já trabalhou com pós-produção de vídeos, sabe vários truques que foram utilizados ali, hahaha.

Usei geração de “vídeos”, com este termo em aspas, por isso. Chamo o chatGPT de “gerador de lero lero” por ele, apenas (kk), prever a próxima palavra. Ele prevê muito bem, não tem como negar. Só que nem tudo é certeiro né; depende do que a IA é alimentada e como que o modelo usa esses dados para mostrar para nós a resposta.

Eu ACHO que a Sora é do mesmo jeito, não é que ela gera vídeos, acho que ela gera frames e tenta prever qual próximo frame baseado no anterior; e assim vai. E, de fato, parece muito bom, um CGI digno de Hollywood, mas se você prestar beeeeeem atenção, você vai ver que não tem física ali (é, eu tinha que olhar isso).

Óbvio que ela é alimentada com informações sobre a natureza e o número real, tanto que basta comparar com os vídeos de IA que eram produzidos 6 meses atrás. Objetos que são estáticos, como paredes, colunas ou garrafas (sim, aquele vídeo horrível), são agora estáticos, eles não morfam a medida que a câmera se move; as cores são corrigidas pela iluminação, mas sua “forma”, agora é bem melhor tratada. Isso, pra mim, é um avanço muito grande em como a IA interpreta e usa a física. E é isso que deixa os vídeos mais “realistas”.

Mas vamos lá, também, não é que eles não estão utilizando uns truques. Já é sabido que quanto mais movimento dos objetos maior a merda pra IA, a bichinha é meio burrinha; principalmente movimento das mãos, (ATÉ HOJE). E eles disfarçam isso muito bem desacelerando os vídeos; podem notar. Da uma aceleradinha aí que vocês vão ver a quebra de imersão e realismo.

O que me assusta de verdade

Mas vamos lá; apresentado os motivos digo: cara... tamo lascado. Mas, vamo por partes.

Siow, as preocupações são muito genuínas. E a gente tem que tá preparade. Eu falo a gente, pois até mesmo a galera da pesquisa acadêmica tem que ficar de olho bem aberto, só lembrar desse caso aqui.

Já fui editor de vídeo; eu usava o Adobe Premiere para tal, e, assim, a galera que editava cortando e colando filmes (filmes mesmo, po, aquelas fitas), tudin' (hipérbole aqui, tá?) perderam o emprego quando os primeiros softwares de edição e as tecnologias de mídias digitais começaram a surgir. Lembrar também de quando Jurassic Park ficou conhecidíssimo pelo seu CGI dos dinossauros quando desistiram de usar efeitos práticos e stop motion; pessoal que trabalhava com stop motion para esses tipos de filmes, todos tiveram o mesmo destino também. Existem hoje filmes feitos em tecnologias analógicas e filmes em stop motion? Sim! (aqui retorno em todo aquele debate sobre pdf substituir o papel); mas o mercado, oh...! (imagem do prof. Raimundo).

Particularmente, eu acho que os locais que vão ser mais afetados por isso são a galera que faz stockvideos/images para alimentar banco de dados. O impacto ali vai ser fortíssimo... e... né...

É um momento de revolução tecnológica, sabe... é complicado, mas toda tecnologia revolucionária acontece isso.

E óbvio, ainda tá em processo de se tornar minimamente crível, sem cair na zona de bizarrice. Vamo lá, quem for criança anos 00' vai lembrar de como era simplesmente um INFERNO adicionar uma imagem no Word; hoje é dois cliques. Digitalizar um documento? Só com uma multifuncional caríssima! Hoje os smartphones fazem rapidinho. Porra, os primeiros celulares touchs eram uma MERDA hahaha... é aprendizado por cima de aprendizado e popularização da tecnologia.

Quanto aos exemplos acima: a gente ia nas famosas “xérox” para fazer as primeiras coisas, sair de casa, pagar um serviço; hoje tudo isso tá no nosso bolso, sem contar na popularização dos computadores pessoais... O mercado das “xérox”... simplesmente né... está resumido à impressão de apostilas e documentos de universitários sem impressoras ou idosos que precisam ir no cartório. Vocês lembram quando era tipo, 10 centavos a impressão? Hoje tá 1 conto...

Eu trabalho com formatação de arquivos; se antes já tinha software que já botava no layout todo em ABNT, imagine com esse avanço de IA... mercado fodeu pra nós kkkkkk (cada k uma lágrima).

Mas bora lá: nova tecnologia, perigo de cessão de vários empregos em um espectro enorme de áreas; vou sair pegando em tochas e garfos e quebrar as máquinas?

A vanguarda do debate

O principal argumento que vejo muito na internet e na minha bolha é sobre como a IA rouba o trabalho dos artistas para alimentar seus banco de dados; outros: o resultado dessas imagens não são arte de verdade; qualquer coisa que use IA não deve ser visto como positivo. É...

Esse primeiro e principal argumento é corretíssimo. Ponto final.

Não é de hoje que as empresas usam dados privados das pessoas para alimentar seus banco de dados e direcionar propagandas. Desrespeito às próprias Políticas de Privacidade é só o que rola, e, só há Política de Privacidade pública e necessária autorização do usuário por pressão da comunidade OpenSource (volto já aqui). Isso deve ser pauta sim no debate, mas... não da forma como estão tratando. “Estão roubando meu trabalho! Isso é ruim e, logo, a tecnologia é ruim”, e dali segue aqueles outros dois argumentos que elenquei no primeiro parágrafo dessa seção.

Pergunto à vocês: quando foi que um debate liderado pela moral deu um bom resultado, galera...

É uma linha muito tênue no que tange à publicização e tratamento de dados. Em tese, por lei em vários lugares, as empresas de redes sociais não devem coletar (e vender!) dados como sua residência, por exemplo; mas, nada impede de você postá-la em sua timeline. Você não está publicizando, per si, está ponto como dado na rede social, mas agora ele é tratado como outra variável, saca? Se a rede social não tiver uma política direcionada para o que usar e vender para as publicações, por exemplo, bem como a criptografia do mesmo, estamos sujeites ao bel prazer da empresa. Por isso é importante estudar os Termos de Uso e a Política de Privacidade.

Eu sei que ninguém lê isso, mas se você estiver usando a rede social como propaganda para seu trabalho, seja MEI ou independente, é importante sim você saber como diabos tratam seu trabalho (seu dado!).

Dito isso, esse argumento de roubo é certeiro, mas é fraco... Se você é um defensor ferrenho em acabar com a produção por IA, infelizmente você vai ser engolido pelo lobby empresarial.

Gente, as grandes empresas estão CAGANDO para cópia ou roubo do seu trabalho; os governos de ordem estão CAGANDO também. Estão gritando até hoje por isso e até agora nada de efetivo (ainda) não foi feito e a tecnologia, literalmente, avançando. Não tô querendo defender nada, é apenas um fato, e é algo que ocorre a tanto tempo, com diversas outras tecnologias...

A Microsoft é o principal exemplo disso, são experts em pegar softwares open source, transformarem em um de código fechado, lobby para literalmente matar o primeiro e expandir seu monopólio; é literalmente a história dela até hoje. No mundo dos games, a EA é a matadora de estúdios devs indies, comprando-os e matando-o logo após (saudades MAXIS). A IA tá sendo principal reflexo disso. Vão levar ao tribunal? Vão. Vence quem tem mais dinheiro... Ou quem tem um governo federal, rs.

Antes de falar desse assunto, digo: hoje em dia há estranhamento com as artes de IA pois elas são facilmente distinguíveis; mas e aí? Quando ela aprender e melhorar? Quando sair do vale da estranheza? Todo mundo falou do terceiro olho do Dr. Estranho no final dos créditos do último filme; mas os sabres de luz e tiros de blasters no universo Star Wars são tão bem feitos que passam batidos por nós.

Você pode gritar agora “Tá comparando IA com CGI, CGI é digital mas ainda é feito por humanos”; tá, mas o que eu estou querendo mostrar é o quão “crível” algo passa por nós quando sai do vale da estranheza (E assim, é segredo, mas o tanto de IA que está por trás de uma pós-produção não tá escrito, a base da green-screen é IA hoje em dia).

A gente usa IA a todo momento hoje já. Os apps de câmera tem isso hoje de forma nativa; a seleção da “melhor foto” é por IA; aquela foto de lua que alguns celulares da Samsung tem nada mais é do que um .png da lua que a IA colocam ali e fazendo um baita de um tracking perfeito.

Argumenta-se também que isso “quebra a realidade”; ah galera... pessoal do Photoshop tá fazendo isso a tempos com fotos de casamentos e outra festas; tirar pessoas do fundo de foto é algo tão antigo desde a minha época do Orkut; os filtros que se usa no IG são por IA (para identificarem seu rosto); os exemplos são muitos e por isso você ser “contra tudo que for IA” é, me perdoem, retrógrado.

Além disso, é algo que eu vou ressaltar sempre. O problema não é o programa, é o programador. Se o programa é alimentado por roubos, alguém, um ser humano foi lá e disse pra roubar. A tecnologia não tem moral, o CEO e sócios da OpenIA tem. Reafirmo, argumentar colocando a moral à tecnologia, é antimarxista.

É por isso que afirmo, justificar o roubo dos seus dados para alimentação de IA baseado na MORAL do roubo, é guerra perdida. E se for assim, vamos perder MUITO; não na moral, mas em bens, serviços e proteção de dados pessoais. Tão guerra perdida que, hoje em dia, tem IA generativa de imagens cujo banco de dados foram usados por artistas que PERMITIRAM o uso para tal. E agora? Qual o argumento para “barrar as criações de IA”? É...

Se a moral não deve ser a vanguarda do debate, qual será?

Lembram do que eu falei de um Governo Federal? Vocês viram o show (de horrores) que o Senado dos EUA fizeram com os CEO do TikTok, Facebook e outras? E vocês lembram de quando a UE desceu a ordem sobre a Apple e o USB-C? O que eu quero dizer é que esses desgraçados de merda ditam e deliberam a regulamentação de praticamente tudo. E eles fazem isso baseado em interesses particulares da, olha só, elite.

O que eu quero dizer é que as empresas estão sambando em cima da falta de regulamentação (e fiscalização!!) quanto aos dados privados e usando isso ao seus interesses! E somente algo “acima” das empresas podem, de fato, nos proteger minimamente; uso “acima” entre aspas pois a gente sabe muito bem qualé a da democracia representativa burguesa; e aqui podem inserir o ABC Comunista.

Já falei que querer acabar com a tecnologia é retrógrado (e burrice, perdão); que ela vai aprender muito ainda e sair do vale da estranheza muito rápido; e que o argumento de inserir moral à tecnologia é fraco, qual deve ser o argumento norteador do debate e qual a sua vanguarda?

O roubo é fato, devemos continuar batendo aí. A base do argumento deve ser algo material, não moral: quem detém, de fato, os dados privados dos usuários e como o tratam. E é aí que entra uma comunidade maravilhosa que já tem sínteses ótimas em cima disso, a comunidade OpenSource. Eu acho que é a oportunidade perfeita para a comOpSrc tomar a vanguarda do movimento, nortear o movimento não contra a tecnologia, mas como ela é operada e manuseada; principalmente uma comunidade que tem tanto acúmulo, mas tanto acúmulo; desde que rede é rede, desde que protocolo é protocolo.

É papel, também, dos comunistas se inserirem e se aprofundarem no debate; a parte da política da comOpSrc, na minha visão, ainda está em disputa, com grande profundidade nas ramificações do anarquismo. Inserir com humildade! Os anarquistas estão nessa a anos com, sei lá, zetaBytes de contribuições já (perdão a piada). Mas posso desenvolver mais sobre o papel dos comunistas em outros textos.

Quanto a algumas afirmações sobre “não ser arte”... bom, eu já esse discurso em algum lugar meio ruim... num período histórico não muito legal... Mas eu não vou entrar nesse debate até porque me falta formação. To aqui apenas dando pitacos... longos pitacos...

Cabe a nós agora, do mesmo jeito que aprendemos a sair do MovieMaker pro Premiere, aprender a mexer com essa nova tecnologia (o quanto é cedo!). Aprender é sempre bom e pode garantir um novo emprego quando meu trabalho de formatação morrer ;–;

Pensar na IA como uma FERRAMENTA (tecnologia), que como com uma moral intrínseca, já é um bom ponto de partida para qualificar o debate.

Referência

[1] Sora OpenAI