Notas sobre Desenvolvimento Científico – 03

A nossa curta vida útil

Uma guerra longa, crônica e silenciosa é permanentemente sofrida por nossos povos – e os senhores sabem disso – sob forma de fome, de doença, pela ignorância e pela exploração. Se a mocidade não discutir os nossos problemas, quem discutirá por nós? – Leite Lopes, intervenção na 17ª Conferência Pugwash sobre Ciência e Questões Internacionais. Suécia, 1967.

Nós somos profissionais da ciência, e o fato de termos o título de cientista, não nos torna isentos de todas as relações sociais do mercado de trabalho.

Como já exposto, a burguesia nacional não está preocupada com o desenvolvimento industrial, em que os países centrais mantém sua dominação, e que as indústrias nacionais estão acostumadas na importação de máquinas e peças sobressalentes. Araújo (1977) afirma precisamente que:

A natureza dos seus interesses e o fato de ser consumidora de bens resultantes da criação científica produzida fora do país fará com que nessas sociedades os cientistas sejam chamados a atuar somente em momentos de crise, esgotando-se sua função junto às mesmas após encerrada sua tarefa (ARAÚJO, 1977).

Ou seja, como o país não está necessitado de desenvolver suas forças produtivas, não há um pressionamento constante dos cientistas. Somente momentos de calamidade pública (de necessidade) é que a classe dominante é forçada a criar mecanismos de pesquisa científica e requisição dos pesquisadores, e depois de superado esses momentos, extingue-se nossa precisão, evidenciando a nossa curta vida útil.

[...] a praga na cidade de Santos foi a responsável pela fundação do Instituto Butantã em São Paulo, em 1889, a praga e a febre amarela deram lugar ao Instituto Osvaldo Cruz, no Rio de Janeiro, em 1900. [...] E foi em consequência da broca de café que, na mesma época, foi criado o Instituto Biológico de São Paulo (LOPES, 1966).

Agora, em outra via, a burguesia internacional também não irá solicitar o trabalho dos cientistas brasileiros, uma vez que seus próprios cientistas já estão trabalhando em seus respectivos institutos em seus países de origem.

Portanto, não é a falta de investimento no setor científico ou algo envolvendo melhorias corporativas que são responsáveis por essa relação, uma vez que tais medidas não provocam uma mudança concreta do quadro de nossa atuação científica. É a dependência, em conjunto com a falta de mentalidade científica da burguesia brasileira, que nos desemprega e nos oprime, não é apenas uma mera anedota ao dizer que profissionais das ciências estão trabalhando na informalidade pela uberização do trabalho, afinal:

O desenvolvimento científico e tecnológico nos países do Terceiro Mundo – tal como outras reformas, mais urgentes de natureza econômica e social – está em geral, em conflito com os interesses e privilégios das tradicionais elites dominantes (LOPES, 1966).

Conhecendo a ineficácia do capitalismo dependente em fazer com que nós, residentes de países periféricos, atinja a soberania científica e cultural, é que se faz necessário uma alternativa.

A nossa histórica alternativa

Estou convencido de que existe uma única maneira de eliminar esses males graves a saber: pelo estabelecimento de uma economia socialista, acompanhada de um sistema educacional orientado para objetivos sociais. [...] Uma economia planificada, que adequasse a produção às necessidades da comunidade, distribuiria o trabalho entre aqueles capazes de trabalhar e garantiria os meios de vida de cada homem, mulher, criança. A educação do indivíduo, além de promover suas capacidades inatas, procuraria desenvolver nele um sentido de responsabilidade com relação aos seus concidadãos, em lugar da glorificação do poder e do êxito na sociedade atual. – Einstein, em “Por que o Socialismo?”, 1949.

Uma parcela de cientistas fecha os olhos e nega o exposto por esse texto, afirmando que o desenvolvimento científico é evidente pelo trabalho e esforço de cientistas que estão compromissados com o crescimento do nosso país. Alguns ainda vão além, ao afirmar que essas “condições subjetivas” não interferem de maneira alguma pesquisas científicas, que independente de quem está na chefia do Executivo, a ciência se mantém firme e em constante consecução, de modo que políticas econômicas e sociais não são suficientes para interferir nesse desenvolvimento.

Se as seções anteriores não foram suficientes para demonstrar a falácia desse argumento, deve-se lembrar – mesmo que seja lembrar o óbvio – que quem faz ciência são os cientistas. Para se tornar um cientista deve-se passar por todo programa escolar institucional, e, políticas econômicas e sociais são responsáveis pela inclusão e retenção de alunos nas escolas. Em um país em que mais de 40% da força de trabalho se encontra na informalidade, em que 4 de 10 jovens não concluem o ensino médio, em que as instituições de educação – apesar de realizarem medidas de inclusão nos anos recentes – não fazem políticas de retenção, em que o acesso a cidade é uma virtude de poucos, dentre vários e vários fatores que contribuem para a não geração de novos cientistas, e sim, para formação de força de trabalho bruta, é evidente que as relações sociais afetam diretamente a pesquisa científica (e não foi nem exposto aqui a opressão às minorias sociais que afastam potenciais cientistas).

Isso não é uma mera consequência ou uma irresponsabilidade dos dirigentes federais, é o programa político que não só necessita como se alimenta dessa desigualdade para manter o que chamam de “economia”, que nada mais é do que seus privilégios como classe dominante. É a ideologia liberal que, por meio da superexploração do trabalho, satisfaz as necessidades da burguesia nacional e, transfere riquezas, que satisfaz a burguesia internacional.

Em contrapartida, muitos cientistas naturais reconhecem esse problema, em que costumam chamar de um “desenvolvimento lento”, afirmando que é algo contornável e que uma política desenvolvimentista e uma direção progressista preocupada com as questões sociais são suficientes para elevar o país a uma soberania científica. É uma análise interessante, mas não suficiente. Como exposto, melhorias corporativas não são capazes de eliminar toda a problemática exposta, na realidade, costuma intensificar todas as relações opressivas colocadas.

Não adianta melhores laboratórios, melhores equipamentos, novos institutos de pesquisa, maior fatia financeira, ou qualquer outra melhoria corporativa, se se continua todas as relações de opressão, privilégios e desigualdades. As escolas, universidades, os institutos, em geral as instituições educacionais são meros instrumentos, aparelhos, a serem manipulados a gosto pelas classes dominantes.

O ponto em questão é que, reacionário ou progressista, a ideologia liberal não está preocupada com o combate à raiz do não desenvolvimento científico brasileiro: a dependência e a propriedade privada dos meios de produção. Como exposto algumas seções acima, somente uma revolução social, de cunho socialista, é capaz de mudar a atual organização social.

Alguns físicos analisavam dessa forma. Após a década de 50, o Brasil vivia um momento de tensão, onde se tinha arrocho salarial e o aumento da carga horária e da intensidade de trabalho, que refletidos nos professores das universidades, e uma apreensão de um golpe militar, fazia com que os cientistas brasileiros se questionassem sobre o papel da ciência na América Latina.

O aquecimento da luta de classes e o sentimento anti-imperialista teve contribuições para a formação dos físicos do século XX, que se questionavam o papel da ciência latino-americana e a quem ela servia, bem como no surgimento do desenvolvimento científico. Esses cientistas como Mário Schenberg, Leite Lopes, César Lattes, Elisa Frota-Pessoa, e vários outros, foram fundamentais para o desenvolvimento científico brasileiro, criando entidades – como o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, Centro Latino-Americano de Física, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a Sociedade Brasileira de Física – e fundando departamentos e institutos de física pelo país..

Grandes figuras da física brasileira e de outras áreas da natureza, tinham um sentimento em comum: o sentimento anti-imperialista e a luta por uma alternativa de poder, o que fez até que alguns se organizassem politicamente, como Mário Schenberg organizado no PCB. E foi no processo de construção do Poder Popular no rumo do socialismo ,que tiveram-se conquistas significativas, como na campanha “O Petróleo é nosso” e na não cooperação de projetos de energia nuclear entre Brasil e Alemanha, a fim de lutar por uma ciência que atendesse as necessidades da população brasileira.

Infelizmente durante anos de apassivamento da luta de classes, percebe-se uma ausência de um pensamento crítico entre os cientistas naturais, onde as “conquistas” relatadas pelas entidades representativas demonstram apenas melhorias corporativas que não enfrentam de fato o nosso problema. Estamos vivendo um momento de opressão intensa para com nossa classe e é por isso que ressaltamos: o atraso científico, o pífio desenvolvimento industrial, o desemprego, a informalidade, dentre outras características do capitalismo dependente só tem uma alternativa eficaz, o Poder Popular no rumo do Socialismo. E é assim, e somente assim, que conseguiremos superar nossa dependência científica, econômica e cultural e que “a ciência cessará de ser um instrumento manipulado pela repressão para se tornar um veículo de transformação do mundo em prol da libertação do homem”.