E antes de dormir, a cover de Hyperballad do Jacob Collier cura-me um pouco desta doença chamada mundo.
Toda o litoral da ilha é ciclável. Há muitos recantos, centenas de praias e lugares para entrar na água. Há sempre um lado abrigado do sol. Come-se bem, encontra-se sombra de árvores e caminhos para descobrir.
O vento é quase de tempestade, a Illa de Arousa deslumbrante. A água, cristalina, sabe bem, protege do frio exterior. A areia atesta a abundância e diversidade do ecossistema, há uma infinitude de tipos de conchas e búzios, de todos os tamanhos e feitios.
A costa galega é uma riviera nortenha. A comida boa, a língua próxima.
Disse James Baldwin “no one's ever wanted, really, to be free”. E muitos, os poucos com algum poder, não só não querem como se empenham em que os outros não sejam livres. Uma pessoa livre pode virar costas a uma situação de exploração, de abuso, de coação. Basta enunciar as coisas assim, para termos de acrescentar que todas as pessoas devem poder virar costas a uma situação de exploração, de abuso, de coação. E por isso a liberdade se tem de tornar um imperativo moral, uma necessária estrutura ética, um objectivo colectivo obrigatório para qualquer sociedade, grupo pequeno, organização ou país. Não a liberdade de que os social-darwinistas ou libertários de direita falam, que é precisamente a liberdade de explorar sem consequência, mas a liberdade que nos une e co-responsabiliza como um bem comum, um objectivo de todos os seres humanos. O pessimismo de Baldwin é compreensível e tem uma grande profundidade ética: a de que mesmo tragicamente falhando, temos de lutar pela liberdade e pelo amor. A vida só é bela e justa assim. Não sou pessimista, só por achar que havendo forma de a vida valer a pena, mesmo em estrondoso falhanço, já me torna, aos meus olhos, optimista.
Há situações sociais em que reajo como se fosse esperado de mim contribuir com algum tipo de opinião ou argumento. O que me confunde e derrota é que o enunciado assim o afirma. A hipocrisia, em muitas situações profissionais, não é defeito, é a própria linguagem de relações em que o poder é desigual. De quem está na mó de baixo é esperado apenas que confirme, validando, o que a pessoa com preponderância deseja (mesmo que não seja legítimo, lógico ou sequer claro).
Há dias em que detesto o que faço para ganhar dinheiro. E sim, ajuda relativizar, pensando que é um privilégio ter um emprego que às vezes me faz sentir assim. Felizmente é um problema bom de ter.
Em situações sociais, reconheço padrões. Mas tenho muita dificuldade em perceber se um padrão que reconheço é interior, feito da minha adaptação a um conjunto de circunstâncias, ou exterior: o próprio conjunto de circunstâncias em si, semelhante a situações anteriores.