Matrix: Resurrections

Mais um texto breve sobre um filme recém assistido, desta vez o quarto capítulo de uma franquia amada dirigido por Lana Wachowski.

Este texto contém spoilers.

Vou fazer duas provas de residência este mês, então talvez não dê tempo de fazer uma publicação mais elaborada, como foi a de Death Stranding e a de Mad Max: Fury Road. Pelo lado bom, elas serão as últimas, então terei muito tempo livre pra compensar depois. Sem mais delongas, vamos a Matrix.

Cartaz do filme

Imagine que você faz uma trilogia, tudo se fecha perfeitamente, seu protagonista morre ao final, personagens importantes também... tudo finalizado. Mas aí, com a onda crescente de universos cinematográficos e franquias infinitas, o estúdio responsável resolve retomar sua icônica obra, mesmo que não faça sentido. O que você faz?

Foi essa a situação em que Lana e Lilly se viram durante muitos e muitos anos. Foi somente em 2019, após a morte do pai delas, que Lana se viu inspirada para fazer um novo Matrix, mesmo sem sua irmã envolvida no projeto.

Eu gostei muito deste filme. A direção que ela o levou tinha o potencial de ser revolucionária para a indústria, mas infelizmente não foi até o fim com sua metalinguagem. Explicarei ao longo do texto.

Primeiro, falando do principal negativo: as cenas de ação, famosas por serem tão marcantes, bem coreografadas e bem montadas por toda a franquia, nesta estão funcionais, sem imaginação ou qualquer brilho. Não sei se foi intencional considerando o tema que abordarei adiante, de toda forma o filme se beneficiaria sim de uma qualidade da ação similar à trilogia original.

Falando do tema, é hora de finalmente tomar a pílula vermelha: ele quem conduz toda a estrutura e enredo do filme em um sentido mais interessante do que o de outros filmes, porque o tema deste filme é justamente a franquia Matrix, além da insistência em fazer mais filmes.

Morpheus oferecendo a pílula vermelha

Acho que o subtexto do filme, isto é, a parte do conteúdo que depende de interpretação, se torna mais explícito através de 3 cenas principais:

  1. Temos Neo como um famoso desenvolvedor de jogos tendo criado a trilogia Matrix naquele universo e o estúdio pressionando para que fizesse uma sequência, claramente uma alusão ao que as irmãs Wachowski passaram. O filme então faz uma montagem de várias reuniões e discussões sobre Matrix IV com várias pessoas opinando e debatendo sobre o que a franquia tinha de melhor, qual era sua mensagem, o que deveria ter neste novo projeto, etc.

  2. Além disso, temos outra cena com o analista de Neo se revelando o novo arquiteto da Matrix e explicando de maneira brilhante como este novo modelo é baseado em ficção e narrativas, não em fatos. Ao mesmo tempo que faz muito uso de metalinguagem (como dizer que tudo é baseado no que aprendeu na trilogia original e chamar os poderes do Neo de Bullet Time, que não é o nome da habilidade em si, mas o nome da técnica cinematográfica utilizada no primeiro filme), reforçando o tema do filme e também fazendo um comentário sobre a pós-verdade e a manipulação das pessoas pela emoção ao invés da razão.

  3. Por último, temos os comentários do Merovíngio, programa ancestral cuja última aparição foi em Matrix: Reloaded, retornando e revelando que estava se unindo a programas que deveriam ser deletados, mas ele os salvava. Seus comentários são também metalinguísticos e reclamando do mundo de 2021, dizendo que antes era tudo melhor.

Ora, o filme deixa muito claro o que é essa nova versão da Matrix – o próprio filme! Ele é o produto que utiliza ficção, narrativa e emoção que prendem Neo, Trinity e todas as pessoas ali, quando elas poderiam estar vivendo suas vidas (ou mortes, no caso dos dois) tranquilas.

Esse é o genial subtexto de Resurrections – é uma história sobre um personagem tentando escapar de ficar preso pra sempre dentro de um produto de ficção, ou seja, escapar do próprio filme para poder finalmente experimentar livre arbítrio, longe do controle das máquinas.

As máquinas que mantém os personagens presos, a propósito, somos nós. Por isso que as pessoas são chamadas de robôs e seus ataques chamados de enxames (swarm), porque quando um filme sai da rota pensada por seus fãs, eles atacam as notas do filme em sites coletores de opiniões fazendo enxame de notas negativas (muitas vezes utilizando robôs de fato) e é o que acontece quando Neo e Trinity tentam quebrar esse ciclo e sair do controle deles.

Isso é representado pelo fato de algumas máquinas se unirem aos humanos em Io. Não é à toa também que o Analista sempre usa de machismo (no início velado, depois explícito) para menosprezar a personagem da Trinity, também um comportamento recorrente nos ataques virtuais aos filmes que possuem grande destaque feminino.

Esse subtexto também explica as literais ressurreições que ocorreram de Neo e Trinity – as máquinas buscando seus corpos e os recriando para servir a eles novamente, mas encontrando o problema de que eles dois juntos são muito poderosos e ganham a motivação suficiente para escapar desse controle, por isso precisam estar afastados enquanto vivem suas vidas controladas, com seus rostos podendo ser alterados (ou seja, usarem outros atores) contanto que seguisse com a narrativa.

Eles, como são os únicos humanos com livre arbítrio, são os que conseguem escapar do roteiro e se tornar imprevisíveis. Perceba que falei humanos, porque há outro ser com livre arbítrio no filme – o Agente Smith, que o ganhou no final do primeiro filme. E por não ser humano, ele não é afetado pelo Bullet Time, o que torna possível a ajuda a Neo e Trinity e, como ele fala, uma aliança improvável (afinal todos eles querem se libertar e serem livres).

Ao final do filme, Trinity consegue seus poderes mesmo sem ser a escolhida (pois lhes foram dados pelas máquinas ao ressuscitar ela, sendo ela parte programa agora assim como Neo) e decide junto de Neo “refazer o mundo” e “fazer sua própria história”, dando a entender que agora estavam libertos dos controles da narrativa e iriam salvar outros também.

Neo e Trinity juntos

Eu gostaria de que esse conceito ficasse mais em evidência, senti que o filme foi pouco ousado nesse sentido, como mencionei no início. Eu gostaria de ter visto o filme do nada acabando, ou continuando o enredo na Matrix sem eles por alguns minutos... queria de alguma forma que o filme deixasse mais óbvio que eles escaparam foi do controle do próprio filme, minando chances de sequências.

Por isso acho que poderia ter sido revolucionário se isso acontecesse dentro de uma franquia estabelecida, grande e com tanto potencial comercial quanto Matrix. Porém, o filme ficou tímido e deu um final mais aberto em que sequências serão possíveis. Paciência.

A diretora e também roteirista Lana Wachowski mencionou que este filme seria sobre sexualidade, que realmente pode ser discutida com alegorias óbvias, mas acabou que no geral tivemos algo semelhante ao episódio do trem (4x06) de Rick e Morty, só que com mais simplicidade em seus temas, diálogos e discussões e menos ousadia. Uma decepção para quem é fã da abordagem complexa que a série fez da filosofia (e pros fãs da ação também).

A propósito, a melhor parte do filme é o início, na sequência tão bem montada e dirigida do cotidiano de Neo (ainda como Thomas Anderson) e as cenas em que ele conversa com o Analista, retratando tão bem o sofrimento em saúde mental e seus cuidados. No entanto, a boa direção se mantém com usos criativos de efeitos visuais.

Trinity gritando

Se eu tivesse que eleger a pior, no entanto, seriam as cenas de humor. As cenas de ação pouco criativas prejudicam mais o filme como falei, mas as que estão mais jogadas e fora do tom são as de humor. Não parece que pertencem a este filme e são desconfortáveis. Talvez a falta de timing cômico do Keanu Reeves seja um motivo pra se achar graça, mas né... pelo motivo errado...

Súmula

Eu esperava mais uma sequência genérica, mesmo sendo de uma das criadoras. O filme é bom, vai em direções novas e empolgantes, mas acaba com medo de abraçar a conclusão de seu raciocínio, o que é uma pena. Não chega a abandonar, mas traz de maneira muito simplista as duas principais marcas da trilogia:

Vale a experiência!

“ORIGINALIDADE IMPORTA!!!” (Merovíngio)

Por Rafael Marinho Normande

#cinema #matrix