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Encontros aleatórios: no caminho para a biblioteca, um senegalês chorava

No início de 2024, eu tive que ir à biblioteca pública para devolver alguns livros e discos de vinil que tinha emprestado. Fui pegar o tram na estação perto de casa, vi no painel que ele chegaria dali a alguns minutos e sentei no murinho para esperar, ao lado de um homem que mexia no celular.

Ele parecia estar chorando.

A princípio eu não disse nada, porque já chorei em transporte público e nessa situações gostaria que ninguém viesse falar comigo, pois ninguém chora em público porque quer, mas porque não consegue segurar, e isso dá muita vergonha. Nessa situações só tento baixar a cabeça e acelerar o metrô com a força da minha mente para aquilo terminar logo e eu chegar mais rápido em casa e chorar à vontade, com a classe e elegância de um dramalhão mexicano, e livre dos olhares dos outros.

Mas eu via de relance que esse homem chorava, balançava a cabeça como se estivesse indignado e não parava de se mexer como se algo muito ruim estivesse acontecendo. Quer dizer, foi assim que eu “senti” que ele fazia ao meu lado, sem olhar diretamente. Parecia que algo de muito ruim aconteceu. Eu comecei a me dizer que eu deveria ser gentil e falar com ele, pois nem todo mundo é frio como eu, e que muita gente, quando chora, na verdade quer contato, quer poder falar, fica feliz ao ver que alguém se importa. E eu estava com tempo e energia para fazer isso por alguém. Então perguntei:

— Você está bem, Monsieur?

Ele sorriu e respondeu que sim. Na verdade, ele estava ouvindo algo no celular e estava rindo porque achou engraçado. Riu ainda mais, e pareceu que estava rindo mesmo, eu é que imaginei e “senti” coisa que não era.

“Ahhhh bom, tudo bem, achei que você estava chorando!” E ri também.

Ele riu mas logo em seguida começou a dizer que a situação em seu país não estava fácil. Perguntei de onde ele era, e ele respondeu que era do Senegal.

Fiquei decepcionada comigo mesma. Eu vi no noticiário nos últimos dias que algo dramático estava acontecendo no Senegal, algo relacionado a um golpe, mas não cliquei para ler.

Sempre tento me manter inteirada dos conflitos geopolíticos, ao menos superficialmente, mas dessa vez não havia clicado para me informar, então eu sabia que tinha algo acontecendo, mas não sabia exatamente o que. Mas não ousei perguntar, porque achei que eu deveria saber o que estava acontecendo lá e fiquei meio envergonhada por não saber. Eu não queria que ele pensasse que não me interessei pelo que estava acontecendo no país dele, pois também fico triste quando algo grave acontece no Brasil e ninguém de fora sabe ou se interessa.

Iniciamos uma conversa de elevador ali sobre a importância de respeitar a lei, a democracia etc. Mantivemos aquela típica conversa genérica sobre como essas situações são difíceis em nossos países, e “complicado, né?” “ah ô se é!”.

O tram chegou, ele me agradeceu por eu ter perguntado se ele estava bem, e nos despedimos. Nunca mais o vi.

Cheguei à biblioteca, devolvi os livros e discos e fui dar uma olhada nos dois andares para ver se havia algo novo de meu interesse para emprestar e trazer para casa.

Fui até a seção de jornais e revistas, e a primeira revista que vi exposta era uma publicação business da Africa, mais especificamente da união de alguns poucos países, incluindo o Senegal.

A revista tinha o Macky Sall, presidente do Senegal na época, na capa e uma longa entrevista com ele, que era anterior ao golpe que estava acontecendo. Perfeito para ler! Talvez ali já tivesse algum indício do que viria? Peguei então a revista emprestada e levei para casa.

Da próxima vez que um senegalês falar comigo sobre o assunto, poderei dar uma opinião de verdade e menos small talk. :)

#encontros #senegal #pessoas