Pesquisa da Rede de Políticas Públicas & Sociedade, feita com lideranças comunitárias de seis regiões metropolitanas do Brasil, sugeriu que a fome é o drama mais crítico enfrentado pelas famílias carentes devido à pandemia. A busca desesperada por atividades geradoras de sobrevivência é agravada pelas condições precárias de moradia, como superlotação, dificultando a adesão ao isolamento social. A pesquisa sugere fortemente que essas condições geram impactos psicológicos relevantes, com sinais de esgotamento psicológico, medo de morrer, e falta de perspectiva para o futuro, percebidas como ameaça à sobrevivência (https://redepesquisasolidaria.org/boletins/boletim-7/fome-desemprego-desinformacao-e-sofrimento-psicologico-estimulam-a-violencia-e-a-desesperanca-em-comunidades-vulneraveis-de-seis-regioes-metropolitanas-brasileiras/). O que essa pesquisa mostra é que, no universo do precariado, a ansiedade não está entre a morte de si e a morte da comunidade (como no caso dos trabalhadores em “home office”; https://write.as/claudecahun/se-ha-algo-que-define-em-escala-global-a-subjetividade-dos-que-estao-em), mas no dilema entre se expor a infecção e morrer de fome. À espera deum auxílio emergencial que nunca vem, os quase 35 milhões de trabalhadores precários (“autônomos”) no Brasil não têm saída desse dilema a não ser o afeto reativo da ansiedade. Para os socialmente marginalizados, portanto, a dimensão extra-subjetiva da ansiedade é o medo de perder a subsistência. A precaridade é uma “insegurança não-autodeterminada” que atravessa as dimensões do trabalho e da vida cotidiana, e mobiliza a insegurança para impor a normalização e tratar as pessoas como descartáveis. Opera, portanto, tornando a vida das pessoas “contingente ao capital” (Angela Mitropoulos, http://www.metamute.org/en/Precari-us). Bifo argumenta que a precariedade leva a um estado de constante excitação corporal sem possibilidade de liberação, uma impossibilidade (socialmente imposta) de relaxamento (Precarious Rhapsody). O trabalho precário e a gig economy são caracterizados pela perene administração do estresse, baseada na descartabilidade (Kim Moody, Workers in a Lean World). O entregador do iFood, o motorista de Uber, e o camelô todos têm em comum a exigência, imposta pelas demandas da sobrevivência, de se manter correndo sem se deslocar. Chama a atenção o discurso de que devem sair da quarentena aqueles trabalhadores que são indispensáveis, quando a maioria das pessoas que continuam trabalhando fora de suas casas são caracterizadas justamente por sua dispensabilidade e descartabilidade. Por “dispensabilidade”, A. T. Kingsmith refere o fato de que, na sociedade neoliberal, uma grande parcela da população não pode esperar os direitos básicos de não sofrer violência sistemática, expropriação, alienação, ou trauma. Essa descartabilidade sem limites cria um sentimento perpétuo de impotência.