Notas sobre Desenvolvimento Científico – 01

Cartaz Científico Soviético

Unificando as forças da natureza

A natureza é algo de fato admirável. Seus comportamentos, dos mais variados possíveis, são observados e tentados a compreensão desde o princípio das espécies “homo”. Olhamos para cima, observamos o gracioso balé dos corpos celestes, rodopiando no espaço em velocidades incríveis, guiando-nos em jornadas imensas, cuja história relata com tanto furor. Olhamos para baixo, e com certa ajuda, observamos o caos de partículas minúsculas a se colidirem ferozmente, mas também, a organizada marcha regular das mesmas, em fila, prontas para iluminar o mundo a nossa volta. Também olhamos ao redor, observamos o horizonte, vemos pedras pontiagudas e máquinas famintas por combustíveis, o cair das maçãs em planícies e o levantar de colinas de cimento que arranham os céus. Além do espaço, ainda temos o impiedoso tempo, que ao fluir, deixa conosco arrependimentos, remorsos e lembranças de felicidade. A Física busca entender os comportamentos da natureza, e como dizia o físico Einstein, o mais incompreensível da natureza é que ela é compreensível.

Quando criança, a curiosidade nos leva a fazer observações incríveis, das mais miúdas possíveis, perguntamo-nos o porquê, formulamos hipóteses, testamo-as e observamos os resultados. É comum ouvirmos perguntas de crianças curiosas como: por que as roupas no varal secam de noite em São Luís e em Caxias não? Por que eu mesmo coberto, basta um espaço aberto e o mosquito sabe exatamente onde picar? Por que os pelos do meu braço ou cabelo se arrepiam quando eu passo perto da televisão antiga da minha avó? Por que o balão que compro no parque flutua e o que eu encho fica no chão? Ensinam-nos durante a jornada escolar fórmulas, definições, macetes, “pê vê igual a ene erre tê” “sô vê te”, etc., e é exatamente esse atalho da física, que mata nossa intuição (chamemos assim) de uma metodologia científica. É tão notório, que apesar de aprendermos noções de calor específico, temperatura, eletricidade e densidade, sentimos dificuldade de responder as perguntas daquela criança.

Deixando de lado essa crítica sutil ao ensino formador de força de trabalho e não de conhecimento – retornaremos a ela mais tarde – percebemos que a natureza nos instiga a compreender – quiçá até prever – a beleza mais intrínseca de seus eventos. Porém, o catálogo desses eventos, que seguem um regimento firme, está estritamente relacionado com uma necessidade. Essa necessidade está diretamente relacionada com nosso complexo (e contraditório) sistema de organização social. Essa série de publicações irá discorrer sobre essas necessidades e condições do desenvolver científico nos países periféricos, e de como a ciência natural – com enfoque nas ciências físicas – está diretamente envolvida nesse processo, além de apresentar uma alternativa de superação dessa dependência, para que um dia, possamos ver o pôr do Sol sob o horizonte de uma América Latina livre das mãos de imperialistas.

A natureza da natureza

natureza: substantivo feminino /ê/ 1. O mundo material, esp. aquele em que vive o ser humano e existe independentemente das atividades humanas; 2. Combinação específica das qualidades originais, constitucionais ou nativas de um indivíduo, animal ou coisa; caráter inato; 3. FILOSOFIA: o que compõe a substância do ser; essência; tudo quanto existe no cosmos sem intromissão da consciente reflexão humana.

Com relação às perguntas da nossa criança e os conceitos físicos colocados na seção anterior, percebe-se a relação entre os eventos físicos com situações simples do nosso cotidiano. Essa relação esteve presente desde o início de nossa história e nos acompanhará até o seu final, afinal, fazemos parte da natureza. Oprimidos pelas leis da natureza, vagávamos pela terra em busca de alimento e abrigo do congelante frio noturno, até que a pedra lascada facilitou a caça, o semeio facilitou a fixação e garantiu alimentação, a domesticação de animais desfez a dificuldade de caça, a complexidade dessas ações criava a necessidade de uma comunicação, a agricultura intensificou a produção de derivados alimentícios, a população crescia, a divisão de tarefas iniciava, e a consecução desses eventos e relações nos trouxe aos dias atuais.

Durante todo esse processo, perguntamo-nos: o comportamento da natureza mudou? As leis físicas que hoje verdadeiras, não eram naqueles momentos anteriores? É evidente que não. A explicação do fogo das fogueiras para se aquecer do inverno é a mesma do fogo do fósforo para se ligar um fogão. Então, entende-se que o comportamento da natureza é determinado, compreensível e previsível se analisarmos corretamente. Considerando essa premissa como verdadeira, os cientistas naturais trabalharão somente sobre esse comportamento, em busca da verdade. Se a explicação para o fogo do neolítico e para o fogo contemporâneo é uma reação exotérmica entre o comburente e o gás oxigênio para ambos os casos, pouco importa sobre a organização da sociedade naqueles períodos, não é relevante, nem de interesse.

Porém existe um fator faltante muito importante nesse estudo que muitos físicos da atual geração esquecem-se de levar em consideração: Nós. Desde sempre nós moldamos, modificamos a natureza para atender às nossas necessidades, no lascar de uma pedra a enormes filas de produção industrial em massa.

Existe um predominante pensamento nas ciências naturais, quase um mantra na nossa formação, como cientistas, em que “a natureza é neutra”, no sentido de que ela está isenta de ideologias e que o estudo das ciências e o estudo político são imiscíveis. Esquecem, porém, de que nós impactamos a mesma natureza a nossos interesses, que afinal, não são nem um pouco neutros nem isentos de ideologias. Pobre de nós, novos cientistas, que acreditando nisso, vamos nos enganando, servindo a todos os interesses da classe dominante, com nossa curta vida útil, sendo requisitado somente quando convém.

- continua na parte dois