Fernando Venâncio, a propósito de em Portugal haver quem ignore que a nossa língua está intimamente ligada ao galego, cita, alterando-a, uma conhecida expressão de Vergílio Ferreira. Diz o linguista que nós portugueses nos devemos habituar à ideia de que outros também dizem:“da miña lingua vese o mar”.
O universo pisca um olho, como gota de chuva a cair em superfície de espuma, abrindo espaço em forma de sorriso.
Saí do casulo, não borboleta, mas ainda de patas no chão. Caminho agora, no chão de uma floresta chamada mundo.
À medida que se desprendem as fibras mais duras deste cordão, e o mundo se reveste da luz que já tinha, e a sofreguidão cede o lugar que não lhe pertencia, e das pessoas em volta surge mais luz que perigo, e deixo de escarafunchar em ferida de origem esquecida, e a música, o movimento, o sonho e mesmo a respiração me parecem milagres;
à medida que o desapego reclama o lugar que lhe pertence, e das pessoas em volta espero só que sejam quem são, e a natureza recomeça dentro, no íntimo, à superfície e em todas as moléculas do meu corpo;
à medida que aceito a vida como é, e descubro que não me falta nada, que não estou a mais, não tenho nem defeito de fabrico nem mérito extra;
à medida que vivo mais plenamente neste corpo, e se desvanecem as camadas poeirentas que tapavam os poros e a alma, fica apenas a consciência de mim, a gratidão feliz de existir e uma curiosidade enorme de continuar a viver.
Fantasio em regressar aos estudos. Antropologia e Linguística. Licenciatura de uma ou de outra, ou pós-graduação que as combinasse.
Leio durante a fisioterapia. É um prazer encontrar mais um momento do dia em que posso retomar a leitura.
Hoje, sinto-me muito grato por estar vivo. É Novembro e o sol inundou o dia. Ainda o crepúsculo irradia no céu e sinto dentro a luz que me faltava, depois do mau tempo.