Kroeber

#001919 – 29 de Agosto de 2024

Vestigial Spectra junta Fawn Limbs e Nadja. É uma colaboração surpreendente. Conheci Fawn Limbs através de Sleeper Vessels, de 2020, um álbum de velocidade grindcore, com um meticuloso caos rítmico à math metal, uma deslumbrante obra prima de agressão sonora. E os álbuns de Nadja escuto-os pelos drones, por uma lentidão de lava, uma atmosfera a fazer lembrar a doce imprecisão low-fi do shoegaze. Que o ritmo e a textura de uma e outra banda pudessem colidir de forma tao gulosa e brilhante, não o poderia imaginar. Que festim para os ouvidos.

#001918 – 28 de Agosto de 2024

O corpo não é uma máquina. Um organismo é mais do que a soma das partes, não um conjunto de componentes. Os tecidos regeneram-se, os ossos crescem, os órgãos resistem a mal tratos. Mesmo com mudanças extremas, um corpo humano continua a ser corpo. E existem, a caminho do envelhecimento, muitas oportunidades de melhorar a saúde, não substituindo peças, ou fazendo manutenção, como a uma máquina, mas usando e alimentando o corpo melhor. Dito de outra forma: emagreço e ganho músculo.

#001917 – 27 de Agosto de 2024

Pode talvez dizer-se que sou ambicioso. Desejo intensamente, não coisas externas ao que sou, mas mudar-me a mim mesmo.

#001916 – 26 de Agosto de 2026

Os casamentos e batizados servem para manter o contacto com pessoas que não encontramos de outra forma. Quando se viveu quatro, cinco ou mais décadas, começa-se a encontrar as mesmas pessoas só nestas ocasiões. E falamos com algumas como se fossem do nosso quotidiano. De certa maneira, fomos envelhecendo juntos. Com as pessoas que só vemos em eventos familiares, é como se vivêssemos numa cópia do universo em que vivemos habitualmente, mas em que o tempo passa de forma diferente. Acelera muito, entre reencontros. Escapa-se rápido.

#001915 – 25 de Agosto de 2024

Passar pelo síndroma de impostor já é alguma coisa. Significa ao menos que se chegou aonde se queria. E quando nem isso acontece?

#001914 – 24 de Agosto de 2024

No fundo, este sossego é uma das principais vantagens de aqui escrever. Não há retweets, nem gostos, nem comentários. E... nem leitores.

#001913 – 23 de Agosto de 2024

Acabou, há mais de 15 anos, a ingenuidade de quem escreve online. Tenho algumas saudades de quando, há 20 anos, escrevia num blogue despreocupadamente. Hoje, o receio de que a minha privacidade ou os meus dados fiquem em causa; o perigo de assédio ou doxxing e as potenciais consequências de uma ideia minha ser mal-entendida, tudo isto lança uma nuvem sobre o que escrevo. Não sei ainda se tantas limitações são inevitavelmente castradoras. Ou se a criatividade sairá favorecida, como noutras situações comuns para quem escreve, em que existem restrições formais para o texto em que se trabalha. Sei que não respeito em absoluto o meu próprio pudor, pisando às vezes um risco que nem sei onde fica. Mas que ainda assim defendo para todos uma liberdade de expressão que não pratico.

#001912 – 22 de Agosto de 2024

Não gosto do som da minha própria voz. Mas sou um falador excessivo. Não só me desagrada falar demais, como me incomoda escutar-me. Estar sozinho tem essa vantagem, a do silêncio sem o ruído da minha voz.

#001911 – 21 de Agosto de 2024

Coloco à venda objectos que não uso. Sou um péssimo vendedor. Curiosamente, sou um excelente comprador. Se gosto, aceito o preço e não causo problemas. Mas custa-me muito, quando vendo, o ritual do regateio, um massacre que online é bem pior que frente a frente. A isto acresce o spam imenso de burlões a tentar enganar-me usando o MBWay. Como uma piada do cosmos, antes de acabar a frase anterior, recebo mais uma chamada de uma tentativa de burla. É cansativo de gerir. Para piorar mais um pouco, não descobri ainda como, no OLX, remover o meu número de telefone de um anúncio já publicado.

#001910 – 20 de Agosto de 2024

Recordo-me da teologia que fui absorvendo, nas quase duas décadas em que fui cristão. Deus, escutei, está fora da compreensão humana. A sua natureza é por definição impossível de conhecer, através dos sentidos ou da razão humana. Daí ideias como desígnios insondáveis, escrever direito por linhas tortas. Mesmo a acção de Deus no mundo é um desafio à aceitação da Sua Vontade, não um conjunto de mensagens claras para o entendimento humano. Isto é bastante circular, e estabelece limites que dão sempre paradoxos, quando explorados logicamente ad absurdum.

Como escritor sci-fi, penso nisto através de um thought experiment. Imaginemos que Deus existe mesmo e, neste cenário, somos observadores, sabemos o que está a acontecer. Deus existe e a certa altura muda de estratégia. Em vez de fazer com que a vida na terra seja um caminho para a salvação, em que cada pessoa tem a sua cruz e luta com a dificuldade que é manter a fé, decide dar-se a conhecer. A forma física como isso acontece não é importante. Podemos imaginar que Deus materializa ao mesmo tempo, para todos os seres humanos no mundo, a imagem de Jesus Cristo e que Jesus Cristo fala, sendo entendido em todas as línguas do mundo. Mas poderia ser outra forma. O que interessa é que Deus, sendo omnipotente, faz com que cada pessoa entenda que Deus existe, que aquilo não é uma ilusão. Deus, no íntimo de cada ser humano, desencadeia os processos emocionais, intuitivos e racionais necessários para as pessoas não terem dúvidas de que aquilo está mesmo a acontecer e que realmente é Deus a falar. Enquanto observadores sabemos que aquilo não é uma ilusão. Por isso Deus, no íntimo de cada um, não está a persuadir ninguém, está a revelar a realidade.

Ora isto tem algumas semelhantes com acontecimentos cujo resultado foi a conversão de quem os viveu. Usando uma linguagem directa: é a prova inequívoca de que Deus existe. E para algumas pessoas que tiveram experiências de conversão, momentos de transformação interior intensos, foi Deus que lhes falou, que se deu a conhecer. A Igreja Católica está cheia de eventos assim, como as aparições, mas muito mais frequentes ainda são experiências pessoais que são consonantes com esta forma de passar a acreditar em Deus. Na verdade, muitas pessoas passam a vida a procurar ter experiências assim, para que a sua religião tenha um fundamento espiritual e emocional.

Voltando ao exemplo imaginado que dei: para que isso acontecesse, seguindo a lógica da teologia católica (que consegui aprender apenas de forma indirecta, incompleta e deturpada, admito), Deus teria de operar uma pequena transformação. Permitir que a nossa percepção e a sua natureza fossem, afinal compatíveis e pudessem intersectar-se. Porque, lembremo-nos, Deus está fora da realidade mundana física, Deus não é um fenómeno, um elemento da natureza, é algo anterior, ulterior, que está aquém e além do Universo, de tudo o que existe. Não está sujeito às leis da física. Criou-as e pode actuar fora delas. Nós, que estamos debaixo desse jugo da realidade, não estamos em contacto com Deus.

São tautológicas as conclusões que daqui se possam tirar. Esta confusão filosófica é sempre explicada com o mistério, o insondável. Um deus que só posso conhecer depois de morrer e que me pede obediência e aceitação de tudo o que aconteça, seja lá o que for e que me chama de pecador só porque nasci, não é meu pai, não é meu amigo, não é bondoso, não é sequer insondável. É só inverosímil, indesejável e inútil. Mesmo que exista, não o quero e aceito o pecado do meu antiteísmo. Sem provas e sem culpa, desacredito.