Kroeber

#002220 – 27 de Junho de 2025

O que menos gosto na expressão “não há almoços grátis” é o seu uso não metafórico. Há ideologias que consideram que passar ou não fome deve ser tratado como uma questão de mérito e não de direitos humanos.

#002219 – 26 de Junho de 2025

E pago já, digo eu. É para ver se não foge, certo?, pergunta a recepcionista. Verdade, se não ainda tinham de mandar a polícia à minha procura, confirmo.

A primeira vez que vim ao nutricionista esqueci-me de pagar no fim. E embora tenha voltado a entrar pela porta, passado um par de minutos, criou-se a oportunidade para esta private joke com a recepcionista. Na segunda consulta eu apresentei-me e disse, é melhor pagar já, se não ainda me esqueço.

Agora é uma ritual de reconhecimento, que desperta dois sorrisos de cumplicidade e um ligeiro mas suportável embaraço meu, ao pensar que as outras pessoas na sala de espera não têm o contexto para o que estão a escutar.

#002218 – 25 de Junho de 2025

Ao remexer em caixas antigas encontro, entre muitas outras coisas: um bilhete para o “Paisagem Azul com Automóveis” de 2001, a que que assisti como jornalista, a programação do primeiro trismestre de 2004 do CAE, da Figueira da Foz, um CD do Screaming Life/Fopp, dos Soundgarden, com a capa autografada, com pelo menos 3 assinaturas distintas, um caderno cheio de desenhos, incluindo o de uma futura tatuagem, que não se concretizou, mas serviu de inspiração para a minha primeira tatuagem. E depois, em papéis mais antigos: letras para uma banda grunge que nunca chegou a existir, com um colega do secundário, em 92, e mais antigas: letras e acordes de canções em português, das primeiras coisas que compus e toquei na guitarra. Ainda me lembro de algumas melodias e da óbvia e imensa falta de jeito para a música (de que ainda sofro).

#002217 – 24 de Junho de 2025

Saio na Trindade e vejo uma senhora com uma revista na mão e um colete. Tem ar de Testemunha de Jeová. Cometi o erro de a olhar nos olhos, a 20 metros de distância. Embora a evite, acaba por dirigir-me a palavra. Isto vai-me acontecer mais umas 15 vezes, enquanto ando à volta da estação de metro. Há dezenas de pessoas com revistas a abordar as pessoas que passam, mas são da IURD. As camisolas têm o url desta associação criminosa, que me dá a volta ao estômago. A última pessoa que tenta abordar-me deve ter pressentido a minha repulsa. Sussurro “por favor...”, visivelmente incomodado, e o homem quase me pede desculpa. Sei que devo ter compaixão pelas pessoas a quem este culto vitimiza. Mas o nome Igreja Universal, nas camisolas, deixa-me enojado. Antes de me sentar a beber uma Frize, imagino que o Chega terá o apoio destes manipuladores e criminosos, tal como o Bolsonaro teve o apoio dos evangelistas mais extremistas. Será isto, em mim, um exemplo de como é possível ficarmos absolutamente divididos? Será isto o que sente um democrata nos EUA ao ver passar alguém com um boné MAGA? Ou o que sente um bolsonarista ao se cruzar na rua com uma pessoa queer? A tolerância mais difícil, menos imediata, é a tolerância por aqueles que intuimos serem nossos inimigos políticos ou espirituais.

#002216 – 23 de Junho de 2025

Estou grato ao Neil Gaiman por ter morto Sandman. Não só terminou a longa história da personagem com o seu funeral como assegurou que a editora não o “ressuscitaria” como é comum no mundo dos superheróis. Uma história sem um fim é apenas um pedaço de má telenovela. Coisa que é frequente no mundo dos superheróis. The Sandman é diferente. De outra forma não teria ganho o Booker Prize. E é estranho como a morte de uma personagem de uma história de fantasia nos pode emocionar. Mesmo quando somos dela testemunha vinte anos depois de ter lido a banda desenhada, ao assistir à adaptação ao ecrã.

#002215 – 22 de Junho de 2025

No futuro, onde habito já, morreu o Ozzy Osbourne. E eu assisto a um reaction video de uma harpista clássica à canção “War Pigs” que foi, ao mesmo tempo, a minha introdução aos Black Sabbath e aos Faith no More, em: Live at the Brixton Academy. Que tempos estranhos.

#002214 – 21 de Junho de 2025

Na ficção, conhecer o futuro tem um peso curioso. São comuns as histórias em que uma personagem vislumbra o futuro. E por mais que tente mudar a calamidade vindoura, ela sucede inevitavelmente. Mais curiosa é a personagem Destiny, dos Endless, criada por Neil Gaiman, no universo de Sandman. Quem recorre ao conselho de Destiny escuta inevitavelmente que o que está escrito acontecerá e que o conselho, dado pelo próprio Destiny, não será seguido. Aqui a lição é mais profunda e mais terrível. Não é que o futuro esteja tão predestinado que não valha a pena lutar contra ele. Pelo contrário. O que Destiny diz é mais duro: por muito que te aconselhe, para que possas evitar a calamidade, serás fiel à tua natureza e farás os mesmos erros que farias se não me tivesses consultado. Ou seja, não é que não valha a pena lutar. É que não se irá lutar, por teimosia, ou pior, se irá lutar contra a felicidade e a lucidez.

#002213 – 20 de Junho de 2025

Quando me sobra fôlego, custa-me escrever só uma vez por dia aqui. Outras vezes, como agora, nem uma vez por semana aqui escrevo. Embora o registo não seja confessional, quando me falta fôlego as palavras que escrevo parecem-me afiadas e acusatórias. Apago mais do que escrevo e publico muito pouco.

#002212 – 19 de Junho de 2025

Escrevo e apago, escrevo e apago, escrevo sobre isso e páro.

#002211 – 18 de Junho de 2025

Um pouco mais de estabilidade. Menos altos e baixos. Ou talvez um melhor uso da velocidade com que desço, da lentidão com que subo.