Kroeber

#002191 – 29 de Maio de 2025

Ler é tão estranho. A linguagem é o humano em construção. Ler é ganhar abstração mas também tocar nas partes muito concretas que existem no íntimo graças à linguagem. Escrever é ler meditando. É, como a meditação, esse processo frustrante e edificante em que se pára sempre, depois de meros segundos de conexão com o íntimo, se corrige caminho, se emenda, se repara nos sulcos em que se derrapa repetidamente. A linguagem só por si parece dar origem à consciência. Edgar Morin parecia convencido de que as crianças desprovidas de linguagem não eram inteiramente humanas. E frequentemente escutamos que a desconhecida história do surgimento da linguagem humana coincide com o aparecimento dos humanos. Talvez isto ajude a explicar a superstição dos que acreditam que um programa de computador um dia se tornará consciente. Sobretudo os large language models têm inspirado esta crença de algumas pessoas que a inteligência artificial irá emergir. Começámos por usar a expressão, colocando a carroça à frente dos bois. Mas os bois também empurram e os senhores tecno-feudais são muito proficientes na arte de empurrar problemas com a barriga. E mais ainda em criar problemas para depois nos venderem soluções.

#002190 – 28 de Maio de 2025

O ombro que não melhora, o humor a acelerar colina abaixo. Sísifo que olha a pedra a rolar, sento-me a olhar a paisagem, cabeça demasiado caída para ver o céu.

#002189 – 27 de Maio de 2025

Still House Plants a acordar o meu sistema nervoso central.

#002188 – 26 de Maio de 2025

Gosto do jazz de elevador da sala de espera do nutricionista. Esqueço-me sempre que vai haver este background sonoro, discreto e funcional. Mas agrada-me sempre. É uma brisa acústica, sem flutuações de intensidade ou direção, um fluxo de decibéis constante e que funciona, sendo muito menos irritante do que a sua descrição sugere. O elevador do prédio em que vivi em Atenas tinha música de elevador. Vivia no primeiro andar, mas cheguei a andar de elevador só para escutar uns segundos aquele som. Agora pergunto-me se seriam faixas adquiridas à Muzak. Já quanto ao som na sala de espera, estou convencido de que é uma playlist do Spotify. Antes de ler Mood Machine nunca tinha pensado na proveniência desta música funcional.

#002187 – 25 de Maio de 2025

Os instrumentos de Hans Tschiritsch, o sol da primavera.

#002186 – 24 de Maio de 2025

A ideia de white fragility é uma “Kafkatrap”, uma vez que qualquer crítica à ideia de white fragility é recebida como prova de que a pessoa que resiste a essa ideia está precisamente a demonstrar white fragility. A geração que acolheu esta forma de activismo e sensibilidade (que defende a interseccionalidade das identidades como agregador político em vez da luta de classes) é a que mais sofisticação demonstra no que toca a falar das emoções. Isso enche-me de esperança. É que a geração que popularizou a expressão gaslighting está especialmente preparada para reparar que o discurso de personagens como Robin DiAngelo é indecoroso gaslighting. Seja com a terminologia da lógica e a sua taxonomia das falácias, com um posicionamento de sensibilidade e empowerment ou até com a filosofia de Harry Frankfurt no seu “On Bulshit”, há que identificar quem nos tenta manipular com discursos carregados emocionalmente e intelectualmente desonestos. Sim, o racismo existe e infelizmente parece até estar em crescimento. Mas Robin DiAngelo não tem nada a ensinar-nos. Leiamos antes as irmãs Fields e o seu “Racecraft: The Soul of Inequality in American Life”, ou James Baldwin, Walter Benn Michaels, Jennifer Pan.

#002185 – 23 de Maio de 2025

Volto a escutar Blue Lines, dos Massive Attack. Lançado em 1991, quando o grunge invadiu o mainstream e o hip-hop era ainda um género muito jovem. O trip-hop foi, entre muitas outras coisas, um movimento de reinterpretação da música que o hip-hop já absorvia e homenageava, como o soul, o funk e o reggae. Envelheceu muito bem: todos os álbuns de Massive Attack e Portishead continuam relevantes e cool. E é revelador que as duas bandas sejam parte do mesmo movimento, com uma atmosfera sonora comum, mas o hip-hop seja influência directa de apenas uma das bandas, pelo menos no que toca às vozes.

#002184 – 22 de Maio de 2025

Explicar a liberdade na fórmula em inglês “freedom to” e “freedom from” tem as suas limitações, embora algum poder descritivo no que toca aos seus contornos jurídicos. Mas há mais do que direitos civis reconhecidos na lei, quando se fala de liberdade. É sobretudo importante a liberdade que mantemos, que somos capazes de exercer quando os nossos direitos são desrespeitados, quando os nossos desejos são impossíveis de realizar e as nossas limitações evidentes. Como é que eu penso, sinto, actuo nos momentos em que me infringem os direitos ou simplesmente não posso fazer o que quero? Continuo livre, mesmo na prisão, como Mandela?

#002183 – 21 de Maio de 2025

Roomful of Teeth e o seu Rough Magic a lamber ou fazer feridas.

#002182 – 20 de Maio de 2025

Belly Up, dos Moin, no regresso ao trabalho.