view#001089 – 07 de Novembro de 2024
Sento-me no metro e só há um terço do banco disponível. O rapaz à minha direita, nos seus vintes, tem as pernas abertas de forma a ocupar o seu lugar e boa parte do meu. Peço-lhe espaço, olho-o nos olhos, ele abana a cabeça como quem percebe, mas praticamente não se mexe. Tenho metade do corpo fora do banco, do lado do corredor. Dirijo-me a ele de novo e peço, “pode dar-me metade do espaço, que tal, metade para si, metade para mim?”, ignora-me. À sua frente está uma rapariga, da mesma idade. Talvez a atitude do rapaz, esta espécie de teimosia territorial, tenha sido espicaçada por uma vontade inconsciente de a impressionar. Mas na altura, há dez minutos atrás, não pensei em nada e reagi numa versão de road rage em transporte público. Toquei no rapaz: empurrei-lhe gentilmente a perna, a demonstrar o lugar dele, apontando com a outra mão para o meio. Não o devia ter feito. Não foi uma agressão, mas foi uma invasão do espaço desta pessoa, mais grave que a sua invasão do meu espaço, porque eu toquei-lhe. Os dois saem na paragem seguinte e eu fico sentado, envergonhado e espantado com a minha reação, convencido de que sou também, como qualquer pessoa, capaz de comportamentos imbecis.
view#001988 – 06 de Novembro de 2024
Trump venceu. E vamos ficar a saber em breve como o mundo perdeu. Normalizou-se, mais que isso, institui-se a violência verbal e política, a instrumentalização do conflito, as alianças estratégicas com os inimigos mais aguerridos da democracia. É este o centro político, hoje em dia.
Para ser radical basta defender que todos os seres humanos têm os mesmos direitos, que o genocídio é inaceitável, que as pessoas têm direito a uma vida digna, a cuidados de saúde e condições de trabalho mínimas. Nunca durante o meu tempo de vida, quase 50 anos, a barra esteve tão baixa para que qualquer defesa da civilização, do respeito mútuo e da paz entre os povos, por mais moderada, fosse considerada como perigosa ideologia . Não são só os fascistas que comemoram, são também instituições cujo conservadorismo tem financiado estes políticos, como a Igreja Católica, que é a instituição em todo o mundo que mais dinheiro gastou para influenciar as leis do aborto, com sucesso já em muitos países. E bilionários que querem destruir o que resta do estado social, como Elon Musk, que poderá vir a ter poder de decisão e assento no governo que aí vem.
O perigo não está só nos grupos mais extremistas que estes movimentos políticos atraem, está também na larga base de apoio popular, nas muitas coligações de interesses económicos e políticos internacionais que financiam e influenciam o poder. As próximas décadas poderão piorar as crises mais urgentes que enfrentamos, com milhões de refugiados do clima e da guerra a serem tratados desumanamente, com a supressão da liberdade de imprensa, com retrocessos nas políticas climáticas, com a abolição de direitos de pessoas queer, mulheres e minorias. E com o agravar de guerras que já provocaram um número obsceno de vítimas mas que ameaçam a qualquer momento tornarem-se conflitos regionais alargados.
O nosso luto não tem tempo e à nossa urgência nem interessa assim tanto quão moribunda está a democracia. Há que reforçar o quanto antes os laços de solidariedade, garantindo que defendemos, sempre, a nossa humanidade comum.
view#001987 – 05 de Novembro de 2024
Esta é a noite das eleições americanas. Mas é possível que sejam necessários dias para conhecer os vencedores. E semanas ou meses para percebermos como se comportam os vencedores e perdedores.
view#001986 – 04 de Novembro de 2024
Christoffer Guldbrandsen acompanhou Roger Stone durante muito tempo. No documentário que estreou recentemente, vemos o que já sabíamos, mas às claras. Este tipo de política tem braços armados, é a favor da violência contra adversários e despreza a democracia. Trump é a figura mais perigosa desta forma de conquistar e exercer o poder, mas no nosso país também nos devemos sentir ameaçados. Os próximos tempos serão difíceis, quaisquer que sejam os resultados das eleições americanas.
view#001985 – 03 de Novembro de 2024
Escuto o especial Harris vs. Trump do canal de YouTube do DiEM25 e surpreendo-me. Pelo menos nos primeiros 20 minutos é unânime: todos os que falam dizem que não é possível escolher entre um e outro. As eleições democráticas, em sistemas bipartidários, tem este problema, entre outros: por vezes ambos os candidatos são maus. E se, veio-me à cabeça, os boletins tivessem dois lados e pudéssemos escolher, ou um voto negativo ou um voto positivo? Assim, dávamos um voto a um candidato que nos agradasse. Mas podíamos, em vez disso, tirar um voto a um candidato que nos desagradasse. Era uma forma de podermos ao menos escolher o candidato que nos desagrada mais, aquele que não queremos que ganhe, mesmo se não queremos que o outro ganhe.
view#001984 – 02 de Novembro de 2024
Só tenho uma palavra para assinalar a entrada com o número título do livro do Orwell: Trump.
view#001983 – 01 de Novembro de 2024
De uma língua para outra até pequenos detalhes mostram formas de nos exprimimos diferentes. Traduzir é aproximar, mais que isso não é possível. Em inglês, tenho sempre a tendência de traduzir literalmente do português, chegando a frases do género “a wrong color”, por exemplo, “I payed for blue, but received a wrong color instead”. Todos os tradutores me corrigem para “the wrong color”. Já aprendi, à força de tanta correção, que é assim que se diz em inglês. Mas continua a incomodar-me esta ideia de “a coisa errada”, em vez de “uma coisa errada”. É que, em casos em que há só uma coisa certa, o número de coisas erradas é infinito. Não só infinito, mas é um infinito incontável, como se diz matematicamente. A coisa errada a que me quero referir é uma entre uma infinidade de coisas erradas possíveis. Enquanto que a coisa certa é só uma. Se traduzir esta forma de pensar em português, diria “the correct thing”, “a wrong thing”. Mas não é assim que se diz em inglês. O que significa que, numa minúscula escala, não estamos na verdade a dizer a mesma coisa, numa e noutra língua. Nenhuma é certa, talvez ambas estejam ligeiramente erradas. Nada há nada de mais humano do que falhar o suficiente para nos entendermos.
view#001982 – 31 de Outubro de 2024
Still House Plants ao vivo. Assisto a um desses momentos memoráveis, em que uma banda se revela uma das minhas referências. Não me lembro da última vez que isto aconteceu.
view#001981 – 30 de Outubro de 2024
Lentidão invernosa. Como e durmo e aguardo que chegue a luz.
view#001980 – 29 de Outubro de 2024
Escreve ainda Sara Imari Walker que, em relação a vida noutros planetas, não é necessariamente verdade que a reconheceríamos ao vê-la, a abordagem “I'll know it when I'll see it”. E desafia mesmo o Sagan Standard, que defende “extraordinary claims need extraordinary proof”. Diz Sara Walker que os avanços deverão ser na capacidade de explicar. Dá o exemplo dos supostos avistamentos de OVNIS, em que a prova é extraordinária (fotos e vídeos), mas a explicação é praticamente inexistente. Segundo ela, não é de todo impensável que para uma prova simples uma teoria bem fundamentada seja o suficiente. Segundo Ted Chiang, diz Sara, a prova extraordinária que o convenceria de que descobrimos extraterrestres é o consenso científico.