Encomendo pneus, tusso muito. Vejo surf no écran, leio Broken Code.
A laringite pôs-me afónico. O corpo vai sempre adoecendo, como para me desacelerar. Lembrança demasiado eficaz de que já não sou novo.
Um dia de corvos e falcões, de verde e beira rio, de sardaniscas e sardões, de sesta perto da água, de umas dezenas de quilómetros tranquilos, em terra, à sombra de árvores. De passar a vau pedalando, zonas em que o Rio Lima se misturava, invadindo, o caminho. E finalmente, um dia de decisões, quando um pneu fica destruído sem hipótese de reparação, os mecânicos estão fechados e estamos longe demais para regressar. Então vamos até aos Moinhos da Gemieira, onde nos esperavam febras no pão, vinho tinto, e quatro homens de meia idade, chapéus de palha, um bandolim e uma viola, a cantar Zeca Afonso. A refeição avança assim, num fim de tarde quente, numa tasca que foi ali instalada na rocha e tem ar de ali estar há centenas de anos. E ao começar a montar a tenda, apercebo-me que me esqueci das estacas. Tenho dificuldade em acreditar em tão grande descuido da minha parte. Mas lá usamos as bicicletas para segurar a tenda de pé. A chuva vem afinal, mais tarde que as previsões, durante a noite. A tenda, que não está esticada, deixa entrar água. O meu amigo terá de regressar a Viana para ir buscar o carro. Sou, às vezes, assim, como uma criança espantada e despreparada para o mundo, rodeada de pessoas com mais sentido prático e juízo do que eu. Escrevo numa pastelaria. Sinto coisas diferentes, misturadas. Uma delas a gratidão.
Não admira que o número 6 seja atribuído ao demónio, no Cristianismo. Isso acontece porque, sem lá chegar, é o número mais próximo do 7, o número da perfeição divina. Nada é tão pouco recomendável como estar demasiado perto da perfeição. É o que acontece de novo com o último álbum dos incríveis Thou. Desta vez a voz surpreende. Tem uma agressividade tão assertiva, um timbre tão forte que até me levou a verificar se a banda tinha novo vocalista. Mas a parte instrumental não acompanha, é pior do que o costume. Impressiona que tão grandes talentos, ingredientes de tanta qualidade, falhem o alvo sempre por tão pouco. Ou pior que isso. Nem sequer chegam a falhar verdadeiramente, a espalhar-se ao comprido, o que às vezes produz arte relevante. Estão sempre quase, quase mas nunca lá. Já diziam os Pixies, “if 5 is man...”. Antes rejeitar deus e diabos e cair, espectacularmente cair muito antes, falhando como só os humanos falham.
Um diário é uma forma de maquilhagem à Zizek. Como este diz em relação às máscaras, o seu ruído verbal não só não esconde como revela.
O longboard é estável e um prazer de rodar. Quase não vira, comparado com o surfskate. O seu charme é precisamente a rigidez, e bem-vinda.
Assange saiu hoje em liberdade, depois de anos do feio, indesculpável silêncio de quase toda a imprensa. Sabemos que o poder quer calar quem revela o seu avesso. Mas ficámos a saber que os meios de comunicação têm muito pouca coragem, muito menos integridade. E já deveríamos saber: se agora nos calarmos porque não era a nós que vieram prender, quem sabe um dia nos calha a nós.