Kroeber

#001929 – 08 de Setembro de 2024

Cheguei muito tarde à música de Jeff Buckley. Ao longo dos anos fui talvez criando expectativas desajustadas. Esperava comover-me. Mas, embora goste da sua forma de tocar guitarra, as canções não mexem comigo. Muito diferente foi a experiência de escutar Nick Drake, que também morreu cedo demais. Gosto de tudo na música de Nick Drake, e há partes que nem conheço bem da minha sensibilidade a serem activadas. A música pode ser explicada, ensinada e aprendida de muitas formas. Mas o seu efeito em nós é ancestral, físico, profundo. E difícil de compreender. Não que seja necessário fazê-lo para usufruir do seu som.

#001928 – 07 de Setembro de 2024

Num emprego, há muito anos, as coisas estavam mal. Havia pouco que fazer e fui inventando tarefas. No início eram úteis, embora secundárias, sobretudo a reorganização de coisas que já funcionavam. Depois foram-se tornando menos necessárias e por vezes repetiam-se em ciclos que me tornavam uma espécie de Sísifo burocrático. Hoje, tenho tarefas importantes, cuja produtividade é analisada em detalhe e cuja eficiência me é exigida. E foi, entre outras coisas, a resistência mental que desenvolvi a fazer ações mecanizadas muitas vezes, ao longo de horas, dias e semanas, no computador, que me preparou para fazer bem o que faço. Isto diz-me que os pragmáticos não têm a razão toda. Por vezes, o inútil é solo fértil para algo de produtivo.

#001927 – 06 de Setembro de 2024

Algumas pessoas convenceram-se de que tudo o que é mais relevante na sua vida foi por elas conquistado. Que o mérito é apenas delas: que são o argumentista, realizador e protagonista de tudo o que de notável lhes aconteceu. Estas pessoas têm-me parecido mais permeáveis a um tipo de insensibilidade: a falta de compaixão que considera que quem falhou, não atingindo as mesmas proezas de empreendedora auto-construção, só a si mesmo pode culpar. Nisto, talvez a discussão sobre o livre arbítrio possa ajudar. Diz Sapolsky que em tantas coisas a ciência descobriu a causa que leva a um efeito e que o resultado tem sido o de as sociedades se tornarem mais humanas. Dá exemplos como deixarmos de queimar mulheres porque as culpávamos de bruxaria num ano de colheitas desastrosas, deixarmos de considerar que os epilépticos estavam possuídos por demónios, deixarmos de culpar as mães de esquizofrénicos de não os amarem e dessa falta de amor causar a esquizofrenia. Quero acreditar que os avanços na ciência terão um efeito assim. Mas em tantas coisas considero que as mudanças têm de ser políticas, que descobertas científicas não desencadeiam automaticamente o que o poder político consegue impedir.

#001926 – 05 de Setembro de 2024

Robert Sapolsky começa A Primate's Memoir com a deliciosa nota autobiográfica: “I joined the baboon troop during my twenty-first year. I had never planned to become a savanna baboon when I grew up; instead, I had always assumed I would become a mountain gorilla.”

#001925 – 04 de Setembro de 2024

Os registos arqueológicos são finitos. Seja o que for que ainda não se encontrou, fósseis, ferramentas, pinturas, objectos, vestígios biológicos, existe já. Pode ainda diminuir o seu número, degradar-se o seu estado de preservação ou impossibilitar-se a sua descoberta. Cada vez que se encontra um destes indícios do passado, é algo de muito precioso, um testemunho que sobreviveu a probabilidades inclementes.

#001924 – 03 de Setembro de 2024

Acalentar o tédio, esse deserto imenso, solo sedento de qualquer semente de criatividade.

#001923 – 02 de Setembro de 2024

Volto a escutar Rules, Jewels, Fools, de 2004. Só agora me apercebo que este álbum dos Zen se assemelha imenso aos álbuns seus contemporâneos dos Faith no More.

#001922 – 01 de Setembro de 2024

Curiosamente, outro nome que se dá ao chaotic hardcore é mathcore. A música gera estes belos paradoxos, é por vezes precisa matemática para soar caótico. Tal como é necessário perceber de harmonia para soar dissonante.

#001921 – 31 de Agosto de 2024

Mesmo nas situações sociais mais difíceis, no meio da guerra, da mais odiosa opressão, há diferença entre ter uma atitude política de acordo com a nossa ética (mesmo com muitas contradições e falhas), ou sucumbir completamente ao cinismo e reagir apenas com violência e nihilismo. Quanto mais nas nossas sociedades, formalmente ainda democracias, em que geralmente temos margem para tentar fazer valer os nossos direitos e em que nos podemos organizar livremente em volta de causas comuns. Uma vida em que nos respeitamos porque fazemos coincidir, tanto quanto possível, a nossa ética com as nossas ações no mundo, é preciosa. Mesmo para quem duvida da viabilidade de um futuro comum, uma vida que vale a pena viver não é mero prémio de consolação. É um objectivo.

#001920 – 30 de Agosto de 2024

Com o tempo, talvez contando que ninguém leia o que aqui escrevo, fui descurando demasiado o cuidado com que faço a revisão de um texto antes de o publicar. Ao escrever no telemóvel um texto mais comprido enquanto viajo, por exemplo, acontece haver um número considerável de erros ortográficos. Envergonho-me ao reler alguns textos e custa-me a ideia que algumas entradas neste diário estão cheias de erros que nunca identifiquei para que pudesse sequer ter hipótese de os corrigir.