Kroeber

#001669 – 31 de Março de de 2024

Em Portugal, liberdade ainda é palavra bela. A direita populista portuguesa não conseguiu, como nos EUA os trumpistas, apropriar-se da palavra. Liberdade, mesmo quando usada para referir liberdade de expressão, não é atributo de um lado da trincheira, virtude de broncos que se julgam rebeldes heroicos numa guerra cultural. Liberdade, inclusive a de expressão, é um direito humano, um direito de todos os seres humanos. O 25 de Abril terá este ano talvez contra-demonstrações dos que gostam pouco que a liberdade seja assim, universal. Mas estamos prontos para defender Abril, para nos unirmos em solidariedade.

#001668 – 30 de Março de 2024

Amanhã o 25 de Abril faz 50 anos e estou atrasado cerca de um mês na minha escrita diária. Tão nua estrutura, sem títulos nem imagens, sem timestamp, apenas uma data e um cardinal, obriga-me a uma rotina que desleixo, às vezes, como agora, abundantemente. Virá a data que não poderei aqui assinalar de forma síncrona e direta.

#001667 – 29 de Março de 2024

Escuto a entrevista de Maria João Avillez a Pedro Passos Coelho. De certa forma, com amargura, apercebo-me que tenho saudades deste homem. É quase uma versão portuguesa da Margaret Thatcher. Não esconde o que é, não tem grandes sofisticações retóricas. É um adversário político transparente, tão transparente como pode ser um político. Para conhecer o seu pensamento, pasme-se, basta escutá-lo a falar de si próprio e das suas ideias. A política actual da direita conservadora e ultra-conservadora é manhosa, hipócrita, militantemente mentirosa. Escutar Passos Coelho é uma lufada de ar quase fresco. O passado recente é tão distante.

#001666 – 28 de Março de 2024

Mais um dia de Verão. Hoje pedalo 50 quilómetros pela costa.

#001665 – 27 de Março de 2024

Há um certo conforto em não esperar ser lido. Não o digo em relação aos livros, objectos que são, precisamente, publicados. Mas um post, sem caixa de comentários, nem botão de like, sem nenhum tipo de promoção, numa plataforma que tem a privacidade como central, é algo diferente. Escrever aqui é deixar algo à mão de semear, num mar de outras coisas. Faz parte da mesma atitude de acto público, mas ainda ainda assim cheio de discrição, a ausência de imagens, o design absolutamente simples. Isto é um não diário, não íntimo, semi-público.

#001664 – 26 de de Março de 2024

Hoje não é 26 de Março. Escrevo aqui com muito atraso. Os acontecimentos mundiais são mais acelerados que a minha rotina diária de aqui escrever. É dia 14 de Abril de 2024 e acabei de me rir com vontade a ver televisão com os meus pais e de me sentar a espreitar as notícias. E o Irão atacou Israel. A loucura dos dirigentes políticos actuais ameaça ser maior do que a dos tempos da Guerra Fria. Israel e Rússia parecem competir para precipitar o mundo numa guerra mundial.

#001663 – 25 de Março de 2024

Hora e meia a conversar com a psicóloga sobre desportos radicais, sobretudo os que ela e eu já praticámos e os que gostaríamos de experimentar. Depois uma tarde, sete quilómetros, de surfskate. Mesmo ao lado, ondas grandes no mar de Matosinhos muito maiores que o costume. Dia quente, quase 30 graus. Multidões, todo o tipo de rodas.

#001662 – 24 de Março de 2024

Em breve, dois dias na Nazaré e depois pedalar costa acima até à Figueira da Foz. Se não for desta que vejo ondas gigantes, talvez para a próxima desça da Nazaré para sul.

#001661 – 23 de Março de 2024

Depois de frio e chuva, de um vento gelado, poeiras do Saara e mesmo ameaça de chuva de lama, o verão.

#001660 – 22 de Março de 2024

Seria uma pena que a maior parte dos autores escrevessem apenas sobre si, a sua etnia, a sua nacionalidade, a sua cultura. Os artistas, incluindo os escritores, são, arrisco dizer, os inventores da liberdade. Em certo sentido, testam-lhe continuamente os limites. Mas mais do que isso: vão apontando os contornos da culpa, do medo, do impulso de reprimir, de todas as fragilidades emocionais humanas que a ideologia instrumentaliza. Em tempos de guerra, ajudam a sonhar a paz, a construir um espaço mental em que ela é possível. Em tempos de paz, agitam as consciências, lembrando que há antagonismos, incapacidades, violências que não desapareceram da experiência humana.

Há quem defenda que se deve escrever sobre o que se sabe. É uma premissa que gera bons livros. Mas não pode ser a única atitude. O escritor é muitas vezes o que tenta descobrir o que não sabe. Os tais desconhecidos que ainda se desconhecem. São os autores, em alguns casos, noutros são cientistas, como Einstein, que criam experiência mentais, cenários, um contextos ficcionais em que podemos imaginar como nos comportaríamos, como seria o mundo, sendo diferente.

Para o fazer, é necessário sair do contexto do que se é, em que se nasceu, em que nos colocam. Fazer mais do que contar a nossa história. Há certamente excelente auto-ficção, em Portugal a excelente Isabela Figueiredo. E há imensos autores que escrevem com grande relevância sobre a cultura em que nasceram, o grupo a que pertencem. Mas esse é um aspecto da escrita, não me parece útil tentar fazer dessa abordagem um funil para onde tudo deve convergir. Isto tudo para dizer que me preocupa a sensibilidade actual de que escrever sobre uma cultura, um grupo, uma sociedade, uma etnia, um género, uma orientação sexual que não é a nossa é apropriação ou desrespeito. Acho o contrário. E não é o assunto, muito menos a semelhança ou diferença entre o autor e as suas personagens que tornam um livro condenável.

A ficção científica, sobretudo no mercado norte-americano, tem sido atacada destas ideias (muitas vezes bem intencionadas), consequência do neo-liberalismo vigente que desistiu da igualdade em favor da equidade e da democracia em favor da representatividade. A esquerda norte-americana mingou, mais e mais, até deixar de defender os pobres, os excluídos e os marginalizados, e passar a declamar o credo da proporcionalidade. Como se a pobreza, por exemplo, em si mesma não fosse algo a combater, apenas o facto de estar mal distribuída.

Neste contexto, querer reduzir o acto criativo à expressão pessoal faz parte ainda desta desistência com consequências sociais que não podemos ignorar. No mundo ideal destes liberais, cada um fala só de si, dos seus interesses, numa lógica de liberdade de expressão em que a liberdade é mesmo só essa, a de nos exprimirmos. Quando nos faz mais falta ainda a capacidade de termos um discurso livre (uso uma tradução mais direta da expressão feliz do inglês: freedom of speech).