A tristeza é uma fotografia emocional. Tudo cristalizado, olho para o esgar, o desalinho da roupa, a trôpega fluidez do movimento. Num instante perco a cor toda, o cheiro, o tacto. Mas ganha tridimensionalidade a estática imagem do que sou. A razão torna-se implacável, mesquinha. Anda à volta de mim, inspecionando cada falha, reanalisando o que parecia neutro ou desimportante. A cognição é toda posta ao serviço da autodepreciação, desprovendo o humor de sentido.
Recomeço a cada segundo. A utopia é o fim. Sou um gerador de ruínas, de inícios que se acumulam, sabotagens bem sucedidas. Preferia acabar.
Descubro novos trilhos. Ruralidade que resistiu à cidade. Muros de pedra, mato, árvores, hortas e quintais. O mundo não é uma rede de coisas ligadas por rodovia. A bicicleta desacelera um pouco e revela muito.
Não gosto de ser gordo. As carnes assam, ao andar. Custa-me a despir peças de roupa, ou a calçar-me. Canso-me mais. Suo muito. É difícil de encontrar uma posição confortável para dormir. Sou pouco ágil. Tenho medo de me magoar, se cair. Não gosto disto. Parte da dificuldade em emagrecer talvez comece aqui, na rejeição deste corpo, no pouco respeito, quanto mais carinho, que lhe tenho. É mais fácil cuidar de algo de que se gosta e que se respeita. Estranho muito este peso, este volume. Perversamente, imagino um génio a sair de uma lâmpada com uma escolha obrigatória. Forçosamente eu teria escolher entre dois feitiços: estar em forma e ser ágil, mas toda a gente ver um gordo disforme ao olhar para mim ou eu continuar assim como estou mas toda a gente olhar para mim e ver alguém bonito e desejável. A escolha é fácil. Preferia estar em forma e que toda a gente me achasse desatraente. O que me custa é carregar com isto tudo atrás, este fardo que não quero ter, não quero ser.
Trinta quilómetros de casa ao Castelo do Queijo, depois do mar até ao Douro e regresso rio Tinto acima. Em casa, acrescento mais duas faixas a um possível álbum acústico. Sou amador em tudo, sobretudo a viver.
Espero nunca encontrar uma alma gémea. Não saberia suportar outra pessoa como eu.