#001476 – 20 de Setembro de 2023
Escrever todos os dias num diário é como acordar. Custa o instante de ceder, de abrir os olhos. Mas é a única forma de continuar a viver.
Escrever todos os dias num diário é como acordar. Custa o instante de ceder, de abrir os olhos. Mas é a única forma de continuar a viver.
Comove-me o grunhido “Deep Blue” na primeira faixa de Rough Magic. Roomful of Teeth é um colectivo surpreendente, as composições verdadeiramente ecléticas, as vozes conhecedoras de tradições diferentes. E, penso que pela primeira vez, numa composição deste género, um growl de heavy metal é usado. É um momento tocante. Não foram artistas de heavy metal que quiseram vestir a sua música de outras tradições. Foi ao contrário. A canção é a primeira parte de uma trilogia sobre o programa da IBM que derrotou Kasparov. E por isso o facto de ser um grunhido é curioso. Na tradição do metal, é a animalidade da nossa condição humana, ou a intensidade das nossas emoções que é expressa com aspereza vocal; ou a sugestão de espíritos, demónios, ou forças da natureza que não controlamos. Aqui, é a presença da máquina que se assinala com um grunhido, a ameaçar a beleza harmónica do resto da composição. Ben Frost, em “Undulating Beast” tem um grunhido ameaçador como fundo a sons sintetizados. Mas a impressão é a oposta da que me atingiu com a faixa de Roomful of Teeth. Frost coloca um fundo animal, sem ritmo nem melodia, que parece querer defender-se ou que resiste aos sons sintéticos que o envolvem. É vulnerável e belo o grunhido, visceral, telúrico. Já quando Deep Blue é grunhido, nos primeiros momentos de Rough Magic, é como algo que se assinala, brevemente, um susto. E não há, como na faixa de Ben Frost, uma dança a formar-se entre máquina e besta. Na composição dos Roomful of Teeth, a besta é a máquina, e é o humano que é vulnerável e belo.
Catharsis, dos YOB, conduz-me. Deixo a luz inundar-me os poros, o som perfurar a cinza endurecida, riffs como ondas de areia a amaciar a rocha do meu passado. O ego vai-se dissolvendo, até que não reste discurso, apenas consciência. Até amar o que é e perder o apego ao que desejo.
Escuto Elaborations of Carbon, deixo a minha vida reorganizar-se interiormente. A felicidade é o que fica depois de se limpar o coração da confusão e do medo. Tempo para me reconciliar com o tempo.
No centro de saúde, o médico de clínica geral dá-me uma carta e manda-me ir às urgências. No Hospital, depois de uma primeira consulta e de longa espera, estou a fazer um exame e vem um outro radiologista, maldisposto. Desentende-se com o que me estava a examinar e diz-lhe que a casa está a arder e não há tempo para estar com coisas. Antes da ecografia, já tinha tido a notícia de que ia precisar de uma pequena intervenção cirúrgica. A ecografia era para despistar problema mais grave. A interrupção do médico radiologista desconsidera a urgência e o propósito do exame que foi pedido pelo urologista que me tinha atendido. Não gosto desta insegurança, desta quebra de confiança num profissional que tem um dever fiduciário para comigo.
Burial é ainda mais belo que James Blake. Mais desolado e imperfeito.
Silêncio adocicado: as palavras fogem-me. Rio-me dos esboços de ideias que me surgem. Não os exploro com texto, o ruído não se chega a formar.