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O trio de hóspedes alemãs

Este (longo) post mistura temas aleatórios que seguem o fio condutor dessa visita que recebemos de um trio de couchsurfers alemãs. Fala de: encontros, hospedar desconhecidos em casa, vida de couchsurfer viajando pegando carona na estrada e dormindo na casa de desconhecidos, conversas inspiradoras, cantar na rua para conseguir dinheiro para comer, bate-papo e cantoria ao redor da mesa, amizade entre meninas, sobre tirar fotos de pessoas sem autorização, tartarugas, sapateiros, e agradecimento

Na semana passada, publiquei sobre minha experiência com o Couchsurfing, pois seria a introdução a outro assunto sobre o qual comecei a escrever, que foi um artigo que li sobre o interesse da Geração Z por câmeras compactas. Mas o que isso tem a ver com o Couchsurfing? Bah, nada! :) Mas eu queria contar sobre onde conheci algumas meninas da Geração Z que pareciam viver a nostalgia de coisas “da minha geração” e que, quando li o artigo, pensei nelas. Pois quando as vi usando uma câmera antiga em 2024, eu as achei “peculiares”, mas, depois de ler o artigo, percebi que é uma tendência. Mas para chegar nelas, como as conheci e como foi nosso encontro no último verão, quero contar primeiro sobre a irmã de uma delas, que conheci por meio do Couchsurfing e que me enviou a irmã para que eu cuidasse dela por alguns dias.

(Como eu dou voltar para falar sobre um assunto! Mas prometi a mim mesma que escreveria como as coisas viessem na minha mente pois este blog é uma tentativa de me abrir novamente, e talvez um dia escreverei sobre os dramas que me “fecharam” e cortaram a minha expressão)

O texto é longo, então senta que lá vem história...

Como conheci o trio de alemãs couchsurfers 🇩🇪 🛋️

Há alguns anos atrás, vi três meninas alemãs postando um pedido de ajuda na comunidade Couchsurfing da minha cidade: elas estavam vindo pernoitar aqui e queriam saber se alguém estaria disposto a hospedá-las por duas noites.

Elas tinham ido da Alemanha para Portugal pegando carona com desconhecidos porque estavam indo para algum lugar religioso do qual não me lembro o nome, e agora estavam fazendo o caminho inverso para voltar para casa. Elas tinham entre 17 e 19 anos, haviam terminado a escola, não tinham dinheiro para nada, mas queriam viajar. Por isso, iam para a estrada e pediam carona a qualquer um que se oferecesse, e levavam coisas para dormir em mochilas enormes caso não encontrassem ninguém que pudesse hospedá-las durante o percurso.

💤 Quando não encontravam nenhum anfitrião, dormiam onde podiam, até mesmo na beira da estrada, para facilitar pegar carona no dia seguinte. “Mas isso não é perigoso?” – perguntei. “Não, nunca tivemos problemas!” e elas me olhavam com os olhos inocentes de crianças felizes por estarem viajando juntas entre amigas, vivendo uma experiência espiritual e encontrando pessoas boas, ‘como eu’, que as recebiam para que pudessem parar para descansar, dormir e continuar a viagem no dia seguinte. Também tinham o jeito de quem nasceu e viveu em um país seguro, imagino eu.

A viagem da Alemanha para Portugal é longa. 🚗 Sem dinheiro para ônibus e sem dinheiro para comida, elas costumavam cantar em trio (fazendo jogo de vozes) e tocavam ukelele nas ruas das cidades em que paravam, colocando um chapéu no chão e usando as moedas jogadas pelas pessoas para comprar o suficiente para comer.

Antes de voltar para a Alemanha, elas iriam passar alguns dias aqui na França (no meio do caminho) em um retiro ecumênico para jovens em uma comunidade que reúne pessoas de todas as religiões para que possam celebrar juntas. 🛐 Por causa disso elas precisavam fazer uma parada em uma cidade próxima para descansar antes de viajar para o retiro, que ficava longe dos grandes centros, e aproveitariam para fazer um pouco de turismo na cidade.

Vi a solicitação na comunidade do Couchsurfing, dei uma olhada no perfil da menina e perguntei ao Sr. Sabiá o que ele achava. Não era a primeira vez que recebíamos couchsurfers em nossa casa e, na maioria das vezes, a experiência tinha sido boa. Então pensamos em tentar novamente. Enviei uma mensagem à menina dizendo que tínhamos um quarto de visita com uma cama de casal e um sofá na sala e que, se elas quisessem, poderiam ficar conosco. Elas aceitaram e vieram.

As três chegaram sorridentes, visivelmente exaustas e precisando de um bom banho – a ponto de evitarem cumprimentos físicos, pedindo desculpas pelo mau cheiro. Eu achei engraçado! 😂 Levei-as ao quarto onde puderam deixar as mochilas, mostrei onde ficava o banheiro e disse a elas para que ficassem à vontade para tomar banho e descansar no quarto enquanto eu preparava um lanche da noite.

Não me lembro exatamente a ordem em que as coisas aconteceram. Jantamos juntos e rapidamente vi que essas meninas eram especiais: eram doces, inocentes, felizes e maduras. Inocência com maturidade, não sei se isso é possível, mas maduras no sentido de consciência cívica e relacionamento com os outros. Conversamos sobre as aventuras delas, ecologia, nossos países, diferenças culturais, democracia, refugiados, religião, família, proteção de dados, nossos futuros profissionais... uma variedade inesperada. A conversa fluiu, elas eram interessantes, estavam procurando o sentido da vida, vivendo uma aventura, confiando em estranhos, divertindo-se entre amigas, buscando Deus em todas as coisas. E que amizade fofa a delas: como elas se olhavam e eram carinhosas uma com a outra, como eram calmas para conversar, tímidas, mas superinteressadas em estar ali conosco, juntos.

Parenteses: Eu sempre quis ter amizades assim, amigas para viajar junto, com confiança uma na outra, mas não tive isso na minha vida antes dos 30 e o tempo para viver isso acabou. Eu adoraria ter vivido quando eu era jovem o que elas estavam vivendo ali, mas minhas amizades eram apenas virtuais e o povo do colegial e da faculdade não eram para isso. Como adulta, não acho que isso seja mais possível, considerando que minhas amigas hoje ou são mães com vida de família ou senhoras de mais de 70 anos de idade. De qualquer forma, achei a imagem que elas passaram da amizade delas muito bonita e, se alguém tivesse me filmado nesse momento, jantando à mesa com elas, meus olhos certamente estariam brilhando enquanto eu as ouvia falar. 🤩

Elas chegaram na sexta-feira e no sábado decidiram explorar a cidade depois de tomarmos um longo café da manhã tagarelando. Disseram que iam retornar para nosso apartamento à noite e as convidamos para o jantar. Mas no meio da tarde, elas me ligaram e perguntaram se poderiam voltar mais cedo. “Claro, sem problemas.” Quando chegaram, disseram-me onde tinham ido mas aquele não era o melhor lugar da cidade. Disseram que preferiram voltar pois aqui em casa estava mais interessante pois gostaram de conversar com a gente.

Não me lembro como essas horas foram preenchidas, mas nunca me esqueci do jantar naquele sábado à noite.

🍲 O jantar de sábado à noite

Eu preparei e servi a janta, elas lambiam os beiços e diziam “mmmmmmmm, que delícia!” para cada coisa, dizendo que tinha tudo o que elas gostavam – como é bom servir comida para pessoas que passaram dias comendo sanduíches na rua, você recebe tantos elogios que se sente uma masterchef! 🧑‍🍳 Como o sabiazão sempre diz: “A fome é o melhor tempero!”

Enquanto comíamos e conversávamos, elas nos contaram o que tinham feito durante o dia na cidade. Elas disseram que tinham almoçado sanduíche com as moedas que ganharam tocando ukelele e cantando em trio. 🎶 Perguntei que tipo de repertório elas cantavam e elas disseram que gostavam muito de um filme francês chamado 'Les Choristes' e que, como estavam aqui na França, cantavam o repertório do filme em francês.

Eu tinha assistido esse filme no Brasil e adorei a trilha sonora dele (gosto de corais). Disse a elas que achava as músicas lindas e contei algumas histórias que havia lido sobre o filme. Foi então que eu disse a elas que adoraria vê-las cantar, talvez na próxima vez que viessem aqui. Elas disseram que poderiam cantar para nós se quiséssemos ouvir, ali mesmo.

“Really?”

“YESS!”

Foi muito rápido e direto. Talvez para os alemães, quando dizemos que gostaríamos de vê-los cantar, eles interpretem literalmente que gostaríamos de vê-los cantar, de verdade, porque se não fosse verdade, nunca pediríamos. (mente brasileira tentando entender) Porque assim, apesar de eu ter dito que gostaria de ouvir, não esperava que elas parassem de comer para nos dar um show exclusivo no meio dos pratos de patê de atum e ervas. 🍽️ 🐟

“Sim! Claro que podem!” E sem hesitar, as três começaram a cantar juntas, fazendo um lindo jogo de vozes. (a música do filme é cantada por um coral, então elas cantaram de forma equivalente – isso tem um nome mas esqueci) Elas realmente pararam para nos dar um show ali mesmo, ao redor da mesa de jantar. Não fingiram ser tímidas, não disseram coisas tipo: “ah não repare, não cantamos bem, somos só amadoras, não espere muito, ok?” Não, nada disso, e elas cantaram muito bem!


🗝️ Pausa para história de família antiga:

Não me lembro da última vez que ouvi pessoas cantando ao redor da mesa – talvez tenha sido quando éramos crianças e alguém trouxe para meu pai uma fita K7 📼com músicas dos Cantores de Ébano, que ele adorava maz fazia décadas que nunca mais tinha ouvido. Então certa vez, na cozinha, colocamos a fita para tocar. Depois cantamos todos juntos – meu pai fazia a voz grave do Noriel Vilela e nós (eu, meus irmãos e minha mãe) cantamos as outras partes da música 'Leva Eu'.

(ainda me lembro da expressão no rosto do meu falecido pai quando ele entrava com sua voz grave e cantava a parte: “Leeeeva eu” da música. Acho que foi a única vez que ouvi o pai cantar. Que saudade.) 🥹


Mas de volta às passarinhas alemãs que estavam cantarolando para a gente:

📸 Filmando a cena Como resistir e não tirar o celular do bolso para filmar aquele momento e guardar aquele show exclusivo para a eternidade? Nunca ninguém tinha cantado para mim, fora família e marido.

Só que estávamos na frente de... alemães. 🇩🇪 E você não filma ou tira fotos de alemães sem pedir permissão. NUNCA. NEVER. JAMAIS. Se eu sacasse minha câmera ali, não duvido nada que a música poderia parar na hora e o show poderia terminar. É muito invasivo, muito sério para eles, você não faz isso com as pessoas dessa parte do mundo que viveram tempos sombrios com a Gestapo, mas também com a polícia secreta Stasi que aterrorizou a população por mais de 40 anos, registrando tudo o que podia de todos. 👮🏻‍♂️

Sinceramente falando, como não era fotogênica e sempre tive muita acne quando era jovem, sempre detestei sair em fotos – minha adolescência é um álbum em branco. Eu odiava me ver em fotos. Sempre fui muito, muito feia e desajeitada nas fotos, pior do que fora delas. É por isso que também sou uma pessoa que odeia a cultura de fotografar tudo e todos sem pedir permissão. Então normalmente não é um esforço para mim se não puder tirar fotos de situações que vivo.

Mas dessa vez foi mais forte do que eu. Foi uma cena linda. Elas cantaram bem. Não tinha aquele ar artificial de rede social. Era íntimo, efêmero, “entre nós” e mais ninguém. Então quando elas terminaram de cantar, eu disse que adoraria ter gravado pelo menos um pouco, porque eu adorava aquela música e elas cantavam muito bem. Elas então me deixaram filmar e cantaram um pouco mais. 😇

Uma tempestade de ciscos caiu em meus olhos. Foi um belo presente. Eu nunca esqueci essa cantoria ali. Foi para nos agradecer, de coração. Eu fiquei muito tocada, sério. Talvez se fosse um “Toca Raul” teria sido banal. Um sertanejo com voz esganiçada teria sido constrangedor. Mas foi uma música que eu gostei de ver em um filme, e cantada de uma forma muito bonita.

Eu sou uma manteiga, ok, mas parte da minha emoção foi por saber que eu nunca vivenciaria aquilo se não tivesse aberto as portas da minha casa para desconhecidos. A gente espera o pior e vem o melhor. No fundo, senti um grande alívio por apostar e confiar, e ver no final como você está com pessoas de bem e que te propiciam um momento único, autêntico e que ninguém que você conhece poderia te proporcionar.

❤️

Sobre tartarugas e sapatos

Outras duas coisas que lembro bem daquela visita: a primeira é que uma delas, aos 16 anos, já tinha ido para o Brasil: Sergipe. “Mas o que você fez em Sergipe?”

Digamos que o casal sabiá-laranjeira é formado por dois caipiras paulistas, ótimos em geografia brasileira teórica mas pouco viajados – bem ignorantes – e a única coisa que eu sabia sobre Sergipe era aquela piada infantil de que Sergipe era o único estado do Brasil que sonhava em ser um carro. 🫣 (sim, eu sei, eu cresci e amadureci, ok? 🤪)

Mas ainda assim, por quê o primeiro lugar que alguém vai visitar no Brasil é Sergipe? Quis entender. E a história é que ela foi parar em Sergipe porque estava trabalhando como voluntária no Projeto Tamar, o projeto das tartarugas. 🐢

Lembrei que eu quando era criança, pedi à minha mãe que me desse dinheiro para eu fazer uma doação para o Projeto Tamar porque eu queria adotar e ajudar a salvar as tartaruguinhas, então eu tinha algumas coisas sobre tartarugas para contar à menina – nós falávamos a mesma língua.

A segunda coisa que me impressionou foi quando perguntei a elas o que queriam fazer da vida quando voltassem para a Alemanha, já que tinham acabado de terminar o Ensino Médio. Não me lembro o que duas delas disseram, mas nunca esquecerei o que a grandona de cabelos castanhos escuros disse: meu sonho é ser sapateira. 👞

Bem diferente, né?

Mas eu disse antes que essas meninas eram especiais. Porque quando ela disse que queria ser sapateira, disse isso com os olhos brilhando, com uma paixão que fez com que eu nunca esqueci esse olhar. Isso me marcou porque sou uma dessas garotas que cresceu estudando loucamente para entrar em uma excelente universidade a fim de ter sucesso na vida e ter uma profissão que me deixaria... bem, financeiramente falando. Eu não conseguia entender por que alguém queria ser sapateira aos 16 anos, muito menos falar sobre isso com paixão.

“Por que você quer ser sapateira?”

“Meu avô era sapateiro, ele ensinou a profissão para o meu pai e eu pensei bastante e quero continuar essa tradição”

Ela nos disse que fazer bons sapatos não é algo trivial. Ela explicou a atenção aos detalhes, a importância de conhecer os materiais certos para cada tipo de sapato e de costura, e outras coisas. Enquanto ela falava, fiquei a imaginando em um ateliê tratando o couro, observando atentamente a costura e polindo o resultado final do trabalho dela, e achei romântico. Naquele momento, e vendo a empolgação dela, pensei que se for para trabalhar com essa paixão nos olhos, qualquer trabalho valerá a pena.

Na verdade, é uma pena que nossa sociedade não valorize um bom sapato e o trabalho de um artesão.

Ela continuou:

“Mas não quero ser uma sapateira qualquer, quero estudar na melhor escola da França!” 🇫🇷

“Mas por que na França? Não tem formação na Alemanha?”

“Porque é na França que fica a organização “Les Compagnons du Tour de France”, que treina os melhores artesãos do mundo”. Ela nos explicou sobre a qualidade dessa associação de “companheiros”, e eu tive a oportunidade de visitar a escola no ano retrasado, o que me fez me lembrar dela. Mas a visita aos Les Compagnons du Tour de France, que é superinteressante, talvez fique para outro dia, com fotos e tudo mais.

Se eu tivesse transcrito esse encontro naquela época com todos os detalhes, teria escrito um livro, porque em um curto espaço de tempo falamos sobre muita coisa. Eu nem sabia que dava para ter uma conversa tão boa com adolescentes, pois sempre detestei adolescentes e a adolescência, a começar pela minha.

Confesso que quando vi o pedido de hospedagem delas no Couchsurfing, imaginei que fossem três jovens adolescentes na flor da idade, rodando por aí e aprontando todas. Cheguei a me perguntar se era uma boa ideia colocar em casa três garotas jovens, se não havia o risco de tentação para o Sr. Sabiá. Mas passaram longe de serem porra-loucas. O encontro foi surpreendente e profundo. E conversamos como se nos conhecêssemos há muito tempo. ⌛

A partida

No dia seguinte, tomamos café juntos, conversamos ainda mais, elas ficaram mais tempo do que disseram que ficariam porque “foi muito bom conversar”. A recíproca foi verdadeira. :)

Elas então se arrumaram, tiraram os lençóis e as fronhas e dobraram tudo, colocaram as “casas” nas costas (as mochilas carregadas com muitas coisas) e eu as acompanhei até a porta de entrada do prédio. De lá, elas foram para a estação central para pegar o trem para o retiro espiritual ecumênico, onde passariam alguns dias antes de voltar para a casa dos pais na Alemanha.

Elas ficaram agradecidas pela hospedagem. Foi um prazer para nós também e uma bela descoberta. No fim, fomos nós que agradecemos.

#couchsurfing #encontros

Ativar ou não ativar o Couchsurfing, eis a questão

Desde a primeira vez que ouvi falar do Couchsurfing há cerca de 15 anos, adorei o conceito. Hospedar pessoas gratuitamente em sua casa e oferecer o que você tiver. Pode ser um sofá velho, uma cama, uma barraca no jardim, uma rede na varanda. O espírito é fugir da lógica mercantilista da hospedagem paga em hotéis, praticar a solidariedade e interagir com a população local durante a viagem.

Eu via as pessoas publicando fotos juntas e testemunhos de suas “aventuras” e ficava morrendo de vontade de fazer isso também. Só que eu não nunca viajava e minha família nunca me deixaria ficar sozinha na casa de estranhos – para dizer a verdade, eu também tinha medo. Eu ficava pensando em como seria maravilhoso poder viver em uma sociedade onde não houvesse tanta violência e eu pudesse ficar com estranhos sem medo de sofrer abusos, ou hospedar pessoas em casa sem medo de ser roubada.

Ainda que eu não tivesse coragem de ficar hospedada na casa de desconhecidos, eu gostaria de, pelo menos, poder receber pessoas na minha casa. Para diminuir o risco, você sempre pode filtrar o perfil: evitar pessoas sem um perfil verificado, sem foto ou com um perfil mal preenchido. Evitar pessoas sem depoimentos de experiências anteriores.

A maior parte das experiências de couchsurfing que eu via online era entre pessoas no hemisfério norte. Muitas vezes eu pensei: “Ah, se pelo menos eu morasse em um país desenvolvido e sem crimes!”

🇧🇷 Na época, eu morava no Brasil, em uma cidade que não tinha nada de especial e estava fora do circuito turístico e dos mochileiros. Mas mesmo assim, criei um perfil no Couchsurfing e esperei que as pessoas pedissem para ir à minha casa, o que nunca aconteceu. Ninguém nunca foi.

Quando me mudei para a cidade grande para estudar na universidade, morei em um pequeno apartamento com meus irmãos. Era impossível receber pessoas. Então desisti, e esqueci do Couchsurfing para sempre.

🇫🇷 ...até que, anos depois, mudei-me para uma cidade turística na França. Depois de alguns anos aqui, lembrei-me do Couchsurfing. “Agora talvez eu possa fazer isso!” Eu estava em uma cidade turística, que atrai muitos viajantes, e em um país relativamente mais seguro do que o Brasil.

Além disso, nosso apartamento estava um pouco vazio, pois tínhamos vindo para a França para ficar poucos anos, então tínhamos o básico, nada com valor material ou emocional. Isso me deixava mais tranquila para receber pessoas desconhecidas, pois eu tinha menos medo de ser roubada. E, por fim, eu não estava trabalhando, então não precisava deixar minhas chaves com estranhos e poderia estar em casa o tempo todo.

Entrei no meu perfil meio morto ⚰️, limpei as teias de aranha 🕸️, escrevi uma boa descrição 📄, coloquei uma fotinho 📸 e lancei os dados 🎲.

Mas o tempo passou e ninguém pediu para surfar em nosso sofá. 😥

Então comecei a olhar as comunidades, onde sempre havia pessoas publicando pedidos genéricos de hospedagem. A pessoa fazia um pedido de hospedagem em datas específicas, eu olhava o perfil dela primeiro, analisava, mostrava para o marido e, se ambos achassem seguro, eu enviava uma mensagem privada oferecendo nosso quarto de hóspedes. Se quisessem, poderiam jantar e tomar café conosco ☕. Como brinde, eu me oferecia para mostrar os pontos turísticos da cidade, se quisessem um guia.

Recebemos cerca de 11 pessoas ao longo dos anos (normalmente viajavam a dois). Foram encontros extremamente intensos e adoráveis. Todas as vezes, parecia que éramos amigos de infância 🤗 – a conversa fluía, a gente ria, falava sério, contava causos. As pessoas vinham para conhecer a cidade e acabavam ficando mais tempo do que previsto em casa conversando com a gente. Duas vezes voltaram mais cedo porque tinham gostado mais de interagir com os “locais” (nós) do que ficar perambulando pelas ruas.

Quando os nossos hóspedes couchsurfers iam embora, nos sentíamos iluminados 🌞. Tudo tinha saído melhor do que o planejado. Melhor até do que com pessoas que conhecíamos, para dizer a verdade. Falamos um para o outro: como isso é possível? Foi tão bom!

Houve apenas uma exceção, um casal que foi uma catástrofe 💀. Não sei se eles eram realmente estranhos ou se fizemos algo errado, mas foi uma experiência detestável. Quando eles foram embora, eu desabei de chorar. Nunca entendi por que aquele encontro foi tão terrível.

Antes disso, nem meu marido nem eu sabíamos como receber as pessoas. Foi uma descoberta para nós também, e foi bom praticar o que era muito difícil para nós: confiar no desconhecido. Mas eu queria acreditar que a maioria das pessoas é boa, ou que elas não causam problemas, e que na maioria das vezes tudo está bem e vai dar certo!

Tudo bem, não era qualquer um. A gente analisava os perfis, como as pessoas se descreviam, as fotos, os depoimentos de anfitriões anteriores, os pontos em comum. Geralmente recebíamos mulheres, casais e uma vez um pai com sua filha pequena. Nunca recebemos homens sozinhos porque meu marido não confia, o que eu quero acreditar que seja injusto generalizar, mas respeito e entendo a hesitação dele.

Fico feliz em poder oferecer um lugar seguro para mulheres viajantes, que têm esse problema de confiar em estranhos, que deixam de surfar nos sofás alheios porque têm medo – como eu –, então fiz tudo o que pude para que elas se sentissem confortáveis e pudessem ter essa experiência e se sentirem com uma mãe ou uma irmã.

Também tentei ser hospedada na casa de couchsurfers quando viajei sozinha 🏠. Foi um pouco desconfortável, mas esse é um assunto para outro dia. No fim das contas, percebi que prefiro receber as pessoas na minha casa.

Mas minha era de Couchsurfing terminou quando comecei a trabalhar. Eu não tinha mais tempo nem energia. Eu só queria descansar e ficar quieta no meu canto. Meu perfil caiu no esquecimento e foi desativado pela plataforma por ter ficado sem uso por muito tempo.

No ano passado, uma couchsurfer que havia se hospedado aqui há mais de sete anos entrou em contato comigo novamente. Ela perguntou se eu poderia hospedar sua irmã de 17 anos, que estava viajando sozinha pela primeira vez, e ela sabia que era seguro ficar aqui comigo. Eu concordei, sem problemas. Então a irmã dela veio e foi muito bom, embora tenha sido curto. E daí me lembrei de como as experiências anteriores tinham sido boas e pensei em fazer couchsurfing novamente.

No início de 2024, reativei meu perfil e paguei a taxa anual. Mas o ano começou mal, fiquei doente e não fui mais adiante. Foram longos meses sofrendo com alergias bizarras e um desânimo anormal. Até selecionei alguns pedidos de hospedagem e os mostrei ao meu marido, para ver se ele estaria disposto a hospedar aquelas pessoas, mas ele também não estava muito interessado. Por isso, deixei de lado por enquanto.

Minha tia mística diz que esses couchsurfers com quem nos demos muito bem eram pessoas que conheci em outras vidas ⌛, e por isso tudo fluiu tão bem. Que minha mudança para a França é, na verdade, um retorno a um lugar onde eu vivi em uma vida passada, e seria por isso que me sinto em casa nesta cidade. Não acredito nessas coisas, mas seria bonito se fosse verdade: reencontros maravilhosos com estranhos, com quem conversei como se fôssemos amigos de infância, e que na verdade aconteceu assim porque nos conhecíamos de outras vidas.

Infelizmente essas coisas só não são mais comuns no mundo de hoje porque temos um medo que vai além do razoável: não confiamos mais em ninguém – presumir que a outra pessoa é ruim se tornou a regra. E sair dessa mentalidade é um treinamento, é um esforço (ou pelo menos foi para mim). Em teoria, é fácil pensar que a maioria das pessoas é boa, que não devemos julgar, mas na prática, você colocaria um estranho para dormir em sua casa?

(Às vezes digo a mim mesma que nunca mais farei isso, porque, embora tenha dado certo muitas vezes, também poderia ter dado muito errado)

#couchsurfing #viagem