Ativar ou não ativar o Couchsurfing, eis a questão
Desde a primeira vez que ouvi falar do Couchsurfing há cerca de 15 anos, adorei o conceito. Hospedar pessoas gratuitamente em sua casa e oferecer o que você tiver. Pode ser um sofá velho, uma cama, uma barraca no jardim, uma rede na varanda. O espírito é fugir da lógica mercantilista da hospedagem paga em hotéis, praticar a solidariedade e interagir com a população local durante a viagem.
Eu via as pessoas publicando fotos juntas e testemunhos de suas “aventuras” e ficava morrendo de vontade de fazer isso também. Só que eu não nunca viajava e minha família nunca me deixaria ficar sozinha na casa de estranhos – para dizer a verdade, eu também tinha medo. Eu ficava pensando em como seria maravilhoso poder viver em uma sociedade onde não houvesse tanta violência e eu pudesse ficar com estranhos sem medo de sofrer abusos, ou hospedar pessoas em casa sem medo de ser roubada.
Ainda que eu não tivesse coragem de ficar hospedada na casa de desconhecidos, eu gostaria de, pelo menos, poder receber pessoas na minha casa. Para diminuir o risco, você sempre pode filtrar o perfil: evitar pessoas sem um perfil verificado, sem foto ou com um perfil mal preenchido. Evitar pessoas sem depoimentos de experiências anteriores.
A maior parte das experiências de couchsurfing que eu via online era entre pessoas no hemisfério norte. Muitas vezes eu pensei: “Ah, se pelo menos eu morasse em um país desenvolvido e sem crimes!”
🇧🇷 Na época, eu morava no Brasil, em uma cidade que não tinha nada de especial e estava fora do circuito turístico e dos mochileiros. Mas mesmo assim, criei um perfil no Couchsurfing e esperei que as pessoas pedissem para ir à minha casa, o que nunca aconteceu. Ninguém nunca foi.
Quando me mudei para a cidade grande para estudar na universidade, morei em um pequeno apartamento com meus irmãos. Era impossível receber pessoas. Então desisti, e esqueci do Couchsurfing para sempre.
🇫🇷 ...até que, anos depois, mudei-me para uma cidade turística na França. Depois de alguns anos aqui, lembrei-me do Couchsurfing. “Agora talvez eu possa fazer isso!” Eu estava em uma cidade turística, que atrai muitos viajantes, e em um país relativamente mais seguro do que o Brasil.
Além disso, nosso apartamento estava um pouco vazio, pois tínhamos vindo para a França para ficar poucos anos, então tínhamos o básico, nada com valor material ou emocional. Isso me deixava mais tranquila para receber pessoas desconhecidas, pois eu tinha menos medo de ser roubada. E, por fim, eu não estava trabalhando, então não precisava deixar minhas chaves com estranhos e poderia estar em casa o tempo todo.
Entrei no meu perfil meio morto ⚰️, limpei as teias de aranha 🕸️, escrevi uma boa descrição 📄, coloquei uma fotinho 📸 e lancei os dados 🎲.
Mas o tempo passou e ninguém pediu para surfar em nosso sofá. 😥
Então comecei a olhar as comunidades, onde sempre havia pessoas publicando pedidos genéricos de hospedagem. A pessoa fazia um pedido de hospedagem em datas específicas, eu olhava o perfil dela primeiro, analisava, mostrava para o marido e, se ambos achassem seguro, eu enviava uma mensagem privada oferecendo nosso quarto de hóspedes. Se quisessem, poderiam jantar e tomar café conosco ☕. Como brinde, eu me oferecia para mostrar os pontos turísticos da cidade, se quisessem um guia.
Recebemos cerca de 11 pessoas ao longo dos anos (normalmente viajavam a dois). Foram encontros extremamente intensos e adoráveis. Todas as vezes, parecia que éramos amigos de infância 🤗 – a conversa fluía, a gente ria, falava sério, contava causos. As pessoas vinham para conhecer a cidade e acabavam ficando mais tempo do que previsto em casa conversando com a gente. Duas vezes voltaram mais cedo porque tinham gostado mais de interagir com os “locais” (nós) do que ficar perambulando pelas ruas.
Quando os nossos hóspedes couchsurfers iam embora, nos sentíamos iluminados 🌞. Tudo tinha saído melhor do que o planejado. Melhor até do que com pessoas que conhecíamos, para dizer a verdade. Falamos um para o outro: como isso é possível? Foi tão bom!
Houve apenas uma exceção, um casal que foi uma catástrofe 💀. Não sei se eles eram realmente estranhos ou se fizemos algo errado, mas foi uma experiência detestável. Quando eles foram embora, eu desabei de chorar. Nunca entendi por que aquele encontro foi tão terrível.
Antes disso, nem meu marido nem eu sabíamos como receber as pessoas. Foi uma descoberta para nós também, e foi bom praticar o que era muito difícil para nós: confiar no desconhecido. Mas eu queria acreditar que a maioria das pessoas é boa, ou que elas não causam problemas, e que na maioria das vezes tudo está bem e vai dar certo!
Tudo bem, não era qualquer um. A gente analisava os perfis, como as pessoas se descreviam, as fotos, os depoimentos de anfitriões anteriores, os pontos em comum. Geralmente recebíamos mulheres, casais e uma vez um pai com sua filha pequena. Nunca recebemos homens sozinhos porque meu marido não confia, o que eu quero acreditar que seja injusto generalizar, mas respeito e entendo a hesitação dele.
Fico feliz em poder oferecer um lugar seguro para mulheres viajantes, que têm esse problema de confiar em estranhos, que deixam de surfar nos sofás alheios porque têm medo – como eu –, então fiz tudo o que pude para que elas se sentissem confortáveis e pudessem ter essa experiência e se sentirem com uma mãe ou uma irmã.
Também tentei ser hospedada na casa de couchsurfers quando viajei sozinha 🏠. Foi um pouco desconfortável, mas esse é um assunto para outro dia. No fim das contas, percebi que prefiro receber as pessoas na minha casa.
Mas minha era de Couchsurfing terminou quando comecei a trabalhar. Eu não tinha mais tempo nem energia. Eu só queria descansar e ficar quieta no meu canto. Meu perfil caiu no esquecimento e foi desativado pela plataforma por ter ficado sem uso por muito tempo.
No ano passado, uma couchsurfer que havia se hospedado aqui há mais de sete anos entrou em contato comigo novamente. Ela perguntou se eu poderia hospedar sua irmã de 17 anos, que estava viajando sozinha pela primeira vez, e ela sabia que era seguro ficar aqui comigo. Eu concordei, sem problemas. Então a irmã dela veio e foi muito bom, embora tenha sido curto. E daí me lembrei de como as experiências anteriores tinham sido boas e pensei em fazer couchsurfing novamente.
No início de 2024, reativei meu perfil e paguei a taxa anual. Mas o ano começou mal, fiquei doente e não fui mais adiante. Foram longos meses sofrendo com alergias bizarras e um desânimo anormal. Até selecionei alguns pedidos de hospedagem e os mostrei ao meu marido, para ver se ele estaria disposto a hospedar aquelas pessoas, mas ele também não estava muito interessado. Por isso, deixei de lado por enquanto.
Minha tia mística diz que esses couchsurfers com quem nos demos muito bem eram pessoas que conheci em outras vidas ⌛, e por isso tudo fluiu tão bem. Que minha mudança para a França é, na verdade, um retorno a um lugar onde eu vivi em uma vida passada, e seria por isso que me sinto em casa nesta cidade. Não acredito nessas coisas, mas seria bonito se fosse verdade: reencontros maravilhosos com estranhos, com quem conversei como se fôssemos amigos de infância, e que na verdade aconteceu assim porque nos conhecíamos de outras vidas.
Infelizmente essas coisas só não são mais comuns no mundo de hoje porque temos um medo que vai além do razoável: não confiamos mais em ninguém – presumir que a outra pessoa é ruim se tornou a regra. E sair dessa mentalidade é um treinamento, é um esforço (ou pelo menos foi para mim). Em teoria, é fácil pensar que a maioria das pessoas é boa, que não devemos julgar, mas na prática, você colocaria um estranho para dormir em sua casa?
(Às vezes digo a mim mesma que nunca mais farei isso, porque, embora tenha dado certo muitas vezes, também poderia ter dado muito errado)