Kroeber

#001975 – 24 de Outubro de 2024

Há algo de muito belo na dissonância emocional que se escuta em “Stone” da PJ Harvey. Com uma intensidade de raiva e quase desespero, canta Harvey: “My heart has turned to stone / What if my heart has gone?”. O tom em que as palavras são cantadas são de quem muito obviamente tem um coração a bater no peito, intensamente.

#001974 – 23 de Outubro de 2024

O álbum “Utp_” é uma obra prima. Junta alva noto, Ryuichi Sakamoto e o Ensemble Modern. Escutá-lo é ser inundado de coisas difíceis de nomear. É ouvir os sons de algo imenso, a ser tocado com a cautela de deuses a procurar evitar um cataclismo. Ou antes, como aos sons dos glaciares, é a revelação do que acontece no atrito íntimo da matéria consigo mesma. Ou o enigma que emerge quando há só realidade, sem interpretação. A beleza toda que o conceito não contém.

#001973 – 22 de Outubro de 2024

A actuação da polícia volta a resultar numa vítima mortal. Online tento entrar em diálogo com a minha gente, os do meu lado político. Mas só encontro trincheira. Não quero combate, não quero guerra, não quero sequer ter razão. Quero que acabe o racismo instituído, os assassinatos à mão da polícia, que os movimentos de extrema-direita não tenham lugar nas forças de segurança pública. Não há nenhuma solução fácil e colocar gasolina na fogueira certamente funciona, mas não para apagar o fogo. Nunca foi tão urgente como agora falarmos de racismo e de como o combater. Mas ninguém quer falar, porque quase toda a gente sente que tem razão e já escolheu o seu lado da trincheira. Não é assim que uma sociedade doente muda. E isto tem mesmo de mudar.

#001972 – 21 de Outubro de 2024

Escuto Katabasis. A sua melancolia outonal funde-se com o sol primaveril que invade o quarto. O nome da banda, Nightosphere, não augura nada de solar. A tristeza é assim: aprecia-se melhor na nitidez com que se dissolve na luz.

#001971 – 20 de Outubro de 2024

Novo álbum de Chat Pile. “Cool World” abana-me os ossos. O sol entra pelo quarto, a música assola-me a alma. Danço, um baile de fim do mundo.

#001970 – 19 de Outubro de 2024

Vejo Self-Portrait as a Coffe-Pot com deleite e parcimónia. Não quero devorar os 9 episódios. Quero que dure este deslumbramento.

#01969 – 18 de Outubro

A escrita é a minha tecnologia favorita.

#001968 – 17 de Outubro de 2024

Apercebi-me de uma terrível desvantagem dos ebooks. Um livro de papel que não esteja publicado em Portugal (por exemplo) pode ainda assim ser comprado, até mesmo encomendado legalmente online, para ser entregue e lido em Portugal (por exemplo). Isso não se passa com um ebook. Um ebook, não tendo ainda a sua publicação digital confirmada para Portugal, não pode ser legalmente comprado por alguém com uma conta registada com morada portuguesa. Isto é uma situação insólita e um retrocesso enorme. Ao mesmo tempo que a economia selvagem em que vivemos torna tudo líquido, fenómenos aberrantes como este tornam-se realidade: é ilegal em vários países a leitura de um livro que está à venda.

#001967 – 16 de Outubro de 2024

Esta forma de semiocapitalismo, expressão de Franco Berardi, é muito eficaz a instrumentalizar a ideia de responsabilidade pessoal como forma de desmobilizar politicamente os cidadãos. O Zizek chama a atenção para quão insidiosa é este pseudo-argumento, quando tentamos falar sobre ecologia e pensar formas colectivas de resistência: “e tu, já fizeste a tua parte?”.

Noto outra forma, que se torna um peso imenso sobre o meu uso do Instagram e comecei a notar há 20 anos no blogue, embora de forma muito subtil. Publico algumas imagens de momentos felizes da minha vida. O meu rosto não surge, mas surgem elementos do que me ocupa, paisagens, a bicicleta. E uma boa parte do conteúdo que vejo na mesma plataforma é sobre crimes horrendos como os do estado de Israel sobre civis. Dia após dia, quase não menciono ou promovo publicações sobre este assunto que é dos que tenho sempre presente e um dos que mais conta com a minha solidariedade. Como é esperado implicitamente que o timeline seja uma espécie de vida online, um reflexo da ética, impulsos, preferências, ideias, opiniões de cada um, esta ausência é gritante. É como se eu não estivesse disposto “sequer” ao esforço de uma imagem publicada.

No entanto, não vejo o meu Instagram como um reflexo do que sou, muito menos como um profissão de fé sobre o meu comprometimento ético com as causas que defendo. Vejo o meu Instagram como um simples mosaico de imagens, com alguma, embora limitada, utilidade. E a acção política, para ser ainda coletiva e livre, tem de acontecer no espaço público. Não basta tornar-se conteúdo explorado como qualquer outro pelas plataformas digitais.

#001966 – 15 de Outubro de 2024

Ando entusiasmado com os livros da Becky Chambers. É estranha a espécie de optimismo que serve de atmosfera a cada cena, a gentileza das personagens. A minha inclinação para organizar e dar nomes às coisas diz-me que é uma sensibilidade geracional, esta aceitação das fragilidades emocionais de cada um e a assertividade militante com que se defende as características pessoais do outro. Se for, só conhecia maus exemplos desta abordagem, até agora apenas em narrativas desinteressantes. Nunca o tinha visto ser feito tão bem em nenhuma obra de ficção. Vou devorar o resto da bibliografia da autora.