Kroeber

#001985 – 03 de Novembro de 2024

Escuto o especial Harris vs. Trump do canal de YouTube do DiEM25 e surpreendo-me. Pelo menos nos primeiros 20 minutos é unânime: todos os que falam dizem que não é possível escolher entre um e outro. As eleições democráticas, em sistemas bipartidários, tem este problema, entre outros: por vezes ambos os candidatos são maus. E se, veio-me à cabeça, os boletins tivessem dois lados e pudéssemos escolher, ou um voto negativo ou um voto positivo? Assim, dávamos um voto a um candidato que nos agradasse. Mas podíamos, em vez disso, tirar um voto a um candidato que nos desagradasse. Era uma forma de podermos ao menos escolher o candidato que nos desagrada mais, aquele que não queremos que ganhe, mesmo se não queremos que o outro ganhe.

#001984 – 02 de Novembro de 2024

Só tenho uma palavra para assinalar a entrada com o número título do livro do Orwell: Trump.

#001983 – 01 de Novembro de 2024

De uma língua para outra até pequenos detalhes mostram formas de nos exprimimos diferentes. Traduzir é aproximar, mais que isso não é possível. Em inglês, tenho sempre a tendência de traduzir literalmente do português, chegando a frases do género “a wrong color”, por exemplo, “I payed for blue, but received a wrong color instead”. Todos os tradutores me corrigem para “the wrong color”. Já aprendi, à força de tanta correção, que é assim que se diz em inglês. Mas continua a incomodar-me esta ideia de “a coisa errada”, em vez de “uma coisa errada”. É que, em casos em que há só uma coisa certa, o número de coisas erradas é infinito. Não só infinito, mas é um infinito incontável, como se diz matematicamente. A coisa errada a que me quero referir é uma entre uma infinidade de coisas erradas possíveis. Enquanto que a coisa certa é só uma. Se traduzir esta forma de pensar em português, diria “the correct thing”, “a wrong thing”. Mas não é assim que se diz em inglês. O que significa que, numa minúscula escala, não estamos na verdade a dizer a mesma coisa, numa e noutra língua. Nenhuma é certa, talvez ambas estejam ligeiramente erradas. Nada há nada de mais humano do que falhar o suficiente para nos entendermos.

#001982 – 31 de Outubro de 2024

Still House Plants ao vivo. Assisto a um desses momentos memoráveis, em que uma banda se revela uma das minhas referências. Não me lembro da última vez que isto aconteceu.

#001981 – 30 de Outubro de 2024

Lentidão invernosa. Como e durmo e aguardo que chegue a luz.

#001980 – 29 de Outubro de 2024

Escreve ainda Sara Imari Walker que, em relação a vida noutros planetas, não é necessariamente verdade que a reconheceríamos ao vê-la, a abordagem “I'll know it when I'll see it”. E desafia mesmo o Sagan Standard, que defende “extraordinary claims need extraordinary proof”. Diz Sara Walker que os avanços deverão ser na capacidade de explicar. Dá o exemplo dos supostos avistamentos de OVNIS, em que a prova é extraordinária (fotos e vídeos), mas a explicação é praticamente inexistente. Segundo ela, não é de todo impensável que para uma prova simples uma teoria bem fundamentada seja o suficiente. Segundo Ted Chiang, diz Sara, a prova extraordinária que o convenceria de que descobrimos extraterrestres é o consenso científico.

#001979 – 28 de Outubro de 2024

Em “Life as no one knows it” Sara Imari Walker tem um capítulo que é escrito na segunda pessoa, dirigido a Einstein. Refere a cientista, nesta espécie de carta a Einstein, que em 14 de Setembro de 2015 as ondas gravitacionais, previstas 100 anos antes por Einstein, foram detectadas. A forma de o descrever é de uma poesia concreta que às vezes se vê no discurso científico. Escreve Sara que a sinfonia de um universo a descrever-se a si mesmo demorou 0,2 segundos e cantou nos nossos instrumentos 1,4 mil milhões de anos depois de acontecer. Nem Einstein era nascido nem sequer a vida na Terra era multicelular. A teoria de Einstein previu aspectos de eventos que aconteceram no seu passado e que só poderiam ser confirmados por nós no seu futuro. O tempo que demoraram a chegar até nós as ondas gravitacionais provocadas por dois buracos negros em colisão tem esta estranheza, em que o presente é, muito concretamente, o futuro de um passado incrivelmente distante que só agora podemos medir.

#001978 – 27 de Outubro de 2024

“The universe is far larger in time than it is in space”, diz Sara Imari Walker.

#001977 – 26 de Outubro de 2024

Hoje milhares de pessoas saíram para a rua e exigiram justiça e o fim da violência policial. Esta é uma causa que nos deve unir. A marcação de uma contra-manifestação mostra como há um partido (e vários movimentos políticos, mais ou menos organizados), que apostam precisamente na divisão e no incitamento ao ódio como forma de crescer. Não passarão.

#001976 – 25 de Outubro de 2024

“The Great Bailout”, da Moor Mother, ilustra bem as contradições em que me encontro. Emocionalmente estou em enorme e dorida sintonia com esta música e o peso que a história do racismo nos EUA lhe amplifica. Pouca arte me tem tocado de forma tão direta sobre a condição das pessoas que continuam a ser discriminadas, a sofrer violência racial e que estão muito conscientes da feia continuidade da história do racismo. Sinto essa identificação emocional ainda mais intensa e imediatamente que a solidariedade política que a razão produz em mim. E isso acontece mesmo se discordo da terminologia e se algumas ideias são até contrárias ao caminho que acredito poder mudar as coisas. A frase “the truth won't do you no good” parece algo saído de livros como “White Fragility”, normalizando o racismo e cristalizando a identidade racial branca. Esta música toca-me e liga-me a quem a produz, mesmo se está embebida de alguns dos erros que vejo, já de forma racional, em algum do activismo online. Já o meu lado racional é alimentado, muito bem nutrido aliás, de obras primas como “Racecraft”, das maravilhas irmãs Fields. Poucos livros me iluminaram tanto como esse, mostrando-me que “only the truth can do us good”.