Kroeber

#001936 – 15 de Setembro de 2024

Semana de quatro dias no Fórum Socialismo. O professor Pedro Gomes apresenta os resultados do programa piloto em Portugal, um sucesso que faz sentido repetir em maior escala, com mais empresas. Diz Gomes que o papel dos sindicatos vai ser importante. Uma vez que têm conhecimento do funcionamento das empresas de cada sector, podem preparar a reorganização necessária para implementar a redução da semana de trabalho. Avisa o académico que é desaconselhável avançar com a lei prematuramente, antes de as empresas estarem preparadas. O resultado quase inevitável é que passados quatro anos se voltaria atrás. Nos anos 90 em Portugal, a redução, das horas de trabalho para 40 semanais também foi assim: quando a lei entrou em vigor já muitas empresas tinham adoptado a mudança. O sector do trabalho, com a importância da acção colectiva dos sindicatos, mostra ao longo da história como a democracia não se pode resumir a assinalar com uma cruz o candidato que mais pareça defender os nossos interesses individuais. Somos sempre cidadãos, e a cidadania é algo que exercemos, defendemos e renovamos juntos.

#001935 – 14 de Setembro de 2024

De vez em quando leio memórias. Mas não consigo imaginar-me escrevê-las. Não só porque (e é este o motivo principal) não vejo motivo, nada de assinalável que o justificasse. Mas também porque seria tão selectivo que nem lhe poderia chamar memórias sem acrescentar algum adjetivo como fragmentadas, escolhidas, ou juntar antes de Memórias a clareza de Algumas ou Quase Nenhumas.

#001934 – 13 de Setembro de 2024

Incêndio aqui perto. Demasiado perto de quem vive no centro de Gondomar. Em Rio Tinto, o dia todo com este fumo que torna a luz do sol opaca e cansa os pulmões.

#001933 – 12 de Setembro de 2024

De novo os incêndios a rondar cidades, a desalojar pessoas, a provocar mortes, a encher o ar de uma espessura sufocante, a pintar o céu de cores inflamadas. A distopia ecológica vai-se instalando.

#001932 – 11 de Setembro de 2024

Há uns 20 anos, o meu coração estilhaçou-se. Foi descuido meu, que não posso culpar à pessoa que na altura dele cuidava melhor que eu. Desde então que embalo vidro partido, como na canção dos Pearl Jam. Gesto patético, que nem reverte a entropia gerada nem me consola. Ando a ver se, na terapia, faço vitrais com os cacos do que sentia. Pouca esperança tenho tido de me refundar, enviando vidro velho para ser derretido, soprado e moldado para o que sou e posso ainda ser. Descrevo as zonas por sarar, de pouco talento, em que posso incluir uma certa insistência em usar metáforas cujo significado não consigo intuir, coisa pouco recomendável sendo eu o culpado de as expressar.

#001931 – 10 de Setembro de 2024

Um guna de capacete na testa vem no sentido contrário, na Ponte de D. Luís. Desde há algum tempo que o trânsito está restrito, permitido apenas a peões, bicicletas e táxis. Este homem faz guinar a motoreta para quase chocar comigo, talvez tendo com isso o gozo de me intimidar. O capacete, comicamente colocado como uma coroa inclinada, por cima da cabeça, deixa-me ver-lhe a expressão facial, que é vazia.

#001930 – 09 de Setembro de 2024

Descubro que a Fnac de Santa Catarina vai fechar no fim do mês. Continua este esvaziamento da baixa portuense de tudo o que não serve a indústria do turismo.

#001929 – 08 de Setembro de 2024

Cheguei muito tarde à música de Jeff Buckley. Ao longo dos anos fui talvez criando expectativas desajustadas. Esperava comover-me. Mas, embora goste da sua forma de tocar guitarra, as canções não mexem comigo. Muito diferente foi a experiência de escutar Nick Drake, que também morreu cedo demais. Gosto de tudo na música de Nick Drake, e há partes que nem conheço bem da minha sensibilidade a serem activadas. A música pode ser explicada, ensinada e aprendida de muitas formas. Mas o seu efeito em nós é ancestral, físico, profundo. E difícil de compreender. Não que seja necessário fazê-lo para usufruir do seu som.

#001928 – 07 de Setembro de 2024

Num emprego, há muito anos, as coisas estavam mal. Havia pouco que fazer e fui inventando tarefas. No início eram úteis, embora secundárias, sobretudo a reorganização de coisas que já funcionavam. Depois foram-se tornando menos necessárias e por vezes repetiam-se em ciclos que me tornavam uma espécie de Sísifo burocrático. Hoje, tenho tarefas importantes, cuja produtividade é analisada em detalhe e cuja eficiência me é exigida. E foi, entre outras coisas, a resistência mental que desenvolvi a fazer ações mecanizadas muitas vezes, ao longo de horas, dias e semanas, no computador, que me preparou para fazer bem o que faço. Isto diz-me que os pragmáticos não têm a razão toda. Por vezes, o inútil é solo fértil para algo de produtivo.

#001927 – 06 de Setembro de 2024

Algumas pessoas convenceram-se de que tudo o que é mais relevante na sua vida foi por elas conquistado. Que o mérito é apenas delas: que são o argumentista, realizador e protagonista de tudo o que de notável lhes aconteceu. Estas pessoas têm-me parecido mais permeáveis a um tipo de insensibilidade: a falta de compaixão que considera que quem falhou, não atingindo as mesmas proezas de empreendedora auto-construção, só a si mesmo pode culpar. Nisto, talvez a discussão sobre o livre arbítrio possa ajudar. Diz Sapolsky que em tantas coisas a ciência descobriu a causa que leva a um efeito e que o resultado tem sido o de as sociedades se tornarem mais humanas. Dá exemplos como deixarmos de queimar mulheres porque as culpávamos de bruxaria num ano de colheitas desastrosas, deixarmos de considerar que os epilépticos estavam possuídos por demónios, deixarmos de culpar as mães de esquizofrénicos de não os amarem e dessa falta de amor causar a esquizofrenia. Quero acreditar que os avanços na ciência terão um efeito assim. Mas em tantas coisas considero que as mudanças têm de ser políticas, que descobertas científicas não desencadeiam automaticamente o que o poder político consegue impedir.