Kroeber

#002072 – 29 de Janeiro de 2025

É impossível não ter opiniões sobre coisas que não compreendo. Aliás, talvez só seja possível ter opiniões sobre o que não entendo (exactamente como isto que acabei de dizer). Quando algo está completamente ao alcance das minhas capacidades, dispensa a minha opinião. Mais que trivial, é estúpido eu elaborar uma opinião sobre chamar-me Nuno ou não. Consigo compreender perfeitamente que nome tenho e porquê. Agora se a consciência é computação ou não, algo que está quase completamente fora da esfera das minhas capacidades intelectuais, inquieta-me, não me deixa indiferente. Toda a minha ignorância, todas as dúvidas que tenho sobre o assunto organizam-se melhor sob a forma da minha posição, da minha opinião, sobre o assunto.

#002071 – 28 de Janeiro de 2025

O Cory Doctorow escreve mais livros quando está ansioso. O estado do mundo está-me a afectar os nervos, confesso. Quero seguir o exemplo do Doctorow e deixar de escavar, neste buraco emocional. Escrever é uma forma de lucidez. Ou talvez apenas um uso desesperado da imaginação. Quando não há uma âncora ou uma luz, é possível ao menos escrever sobre sobre a sua ausência. Ou, para utopistas inveterados, descrever o que é uma vida mais sã e feliz, um mundo menos sombrio.

#002070 – 27 de Janeiro de 2025

Montanha russa (traduzo diretamente do inglês rollercoaster) é uma péssima metáfora para o humor de um bipolar, para os seus altos e baixos. Uma montanha russa é uma forma perfeitamente segura de ter uma experiência curta, que atravessa o mundo habitual, num percurso que se pode avaliar antes sequer de se entrar no compartimento. E, mesmo tonto ou sobressaltado, pára a viagem e sai-se para a vida de sempre e vai-se experimentar outra forma de testar as emoções. Os altos e baixos são a própria vida do bipolar, não um percurso, uma viagem do ponto A ao ponto B. É a sobreposição excessiva das emoções à ideia que se tem do mundo, a um ponto em que a percepção, que se vai distorcendo, ganha importância demais e acaba por definir inteiramente o que existe, o que é possível existir. A distorção, de tão inescapável, acaba, quando as coisas azedam, por agregar o impulso de explicar o eu e a sua difícil relação com o mundo, mesmo ou apenas já com fracas ferramentas descritivas. A memória é revisitada, e, sobretudo numa depressão que venha a seguir à mania, a comparação entre a luz com que se via tudo e a sombra que agora se projecta nas coisas é muito destrutiva. Por isso não, não é uma montanha russa, um sobressalto, ou uma sucessão de sustos e desacelerações a vida emocional de um bipolar. Falo apenas por mim e com a incompleta, fragmentada e absolutamente enviesada perspectiva de quem conhece a condição apenas como paciente. Nada do que aqui escreva serve de conselho ou orientação. Quem precisa, que procure ajuda. Estou vivo e muitas vezes até feliz, graças à ajuda que tive e continuo a ter, da família, amigos e terapeutas.

#002069 – 26 de Janeiro de 2025

Diz a autora marxista Catherine Liu: “The language policing of liberalism has gotten to such a degree that they are the super ego now”.

#002068 – 25 de Janeiro de 2025

Anders Vistisen, deuputado europeu, num discurso no Parlamento Europeu, em inglês: “Dear President Trump, listen very carefully. Greenland has been part of the Danish Kingdom for 800 hundred years. It's an integrated part of our country. It is not for sale. Let me put it in words you might understand, Mr. Trump, fuck off”. Este é um deputado da extrema direita europeia, do Grupo “Patriotas pela Europa” a que pertence também Viktor Orbán e o Chega. Expõe as tensões entre nacionalistas, quando um deles se torna expansionista. Nos partidos da extrema direita uns apoiam Putin e outros não. Talvez agora o mesmo aconteça com Trump. Seja como for, o ponto a que as relações entre os EUA e a Europa chegou é perigoso. Que estranhos tempos que vivemos.

#002067 – 24 de Janeiro de 2025

Os filmes de horror são uma forma de explorar os nossos medos, mas de forma segura. Esta é uma ideia bastante popular. Como não sou um grande fã deste tipo de cinema não tenho uma opinião muito definida sobre o assunto. Mas o mesmo tipo de lógica sinto-a na minha relação com a música. Bandas como Indian, Suicide Silence ou Cara Neir tocam em pontos escuros do meu íntimo, que geralmente evito e que não conheço bem. E universos musicais como o de Fantômas ou Naked City fazem-me visitar a loucura como uma feira de emoções a acontecer à volta de um carrossel, eu preso num compartimento que sobe e desce, acelera e desacelera, mas não corre o perigo de sair dos carris.

#002066 – 23 de Janeiro de 2025

Consumidores portugueses processam a Amazon. O dia começa bem.

#002065 – 22 de Janeiro de 2025

Entre as coisas que o Zizek vinha a dizer nos últimos anos, uma das coisas mais difíceis de aceitar é a bizarra ideia de que o anti-Semitismo pode ser compatível com o Sionismo. Ou seja, que um anti-semita possa ser sionista. Durante anos avisou Zizek que nos EUA muitos apoiantes de Israel são também empedernidos anti-semitas e que isso vem na sequência histórica de um estranho alinhar de objectivos. Para a Alemanha nazi, a criação de um Estado de Israel garantia haver um local para deportações em massa. No Reino Unido, ilustres apoiantes da criação de Israel publicamente admitiram que seria uma forma de expulsar os judeus, por eles indesejados. Até alguns judeus abastados britânicos, nada interessados em se mudar para a Terra Santa, achavam que era boa ideia os judeus pobres (entre eles marxistas e proletários potencialmente permeáveis à doutrina marxista) irem para longe.

É um espetáculo triste e ainda assim surpreendente ver israelitas nas redes sociais a defender o Elon Musk, tentando negar que o que ele fez é um gesto obsceno, profundamente insultuoso para a memória de milhões que morreram às mãos dos nazis. Elon Musk apoia publicamente partidos extremistas e activistas de extrema direita. Mas, e este é o ponto essencial, também apoia o actual governo de Israel. E por isso, por mais paradoxal que isso nos pareça, é visto como um aliado. Custa constatar como Zizek estava certo aqui. E é gritante a estranheza desta sobreposição ideológica, desta aliança estratégica.

#002064 – 21 de Janeiro de 2025

O Elon Musk a fazer a saudação nazi é a imagem perfeita da situação em que nos encontramos.

#002063 – 20 de Janeiro de 2025

Hoje o Trump toma posse. À tarde talvez vá à piscina.