Kroeber

#002032 – 20 de Dezembro de 2024

No Natal, a família junta-se. A minha sobrinha faz muitos desenhos, alguns para mim. Desenha com talento e criatividade. Mas não como um adulto. Um desenho da minha sobrinha, ou de outra criança, é um mandala. Enquanto desenha está completamente imersa no gesto, na criação. Assim que termina, acabou também o mais importante. Um desenho terminado é algo que já passou, que não gera apego. Desenhar é objectivo que se cumpre em si mesmo. Não sei bem o que isso me ensina. Talvez que uma criança está mais próxima da espiritualidade que da arte conceptual. Talvez nem seja necessário tirar lições do que é tão imediato.

#002031 – 19 de Dezembro de 2024

A velocidade ajuda a perceber que o ar é um fluido. Num carro, colocamos a mão de fora e brincamos com a mão, como num túnel a testar alterações à aerodinâmica. Em queda livre, antes de abrir o paraquedas, ou num wingsuit, imagino, será evidente que o ar é semelhante a um líquido, menos denso, mas com as mesmas propriedades. Esse gesto, de colocar a mão de fora do carro, é dos mais repetidos no cinema. Invoca talvez algum comum às crianças, a intuição com que se investiga o mundo, nesse estado de graça que não diferencia a brincadeira da exploração, o que faz rir do que ensina.

#002030 – 18 de Dezembro de 2024

Desta vez Marisa Monte no rádio. E a conversa é sobre música, o condutor do Uber é um baixista brasileiro, amigo do Munir Hossn. Diz-me que sendo baiano, não gosta de Axé. Faz-me escutar várias canções do Pipoquinha, que, diz-me, é considerado pelo Victor Wooten como o melhor baixista do mundo. Desejo-lhe bom Natal, e sigo-o no Instagram.

#002029 – 17 de Dezembro de 2024

Estou ainda no início do longo The Book of Elsewhere. O terceiro capítulo é perfeito. Escrito na segunda pessoa, apresenta uma personagem num tom mitológico, com subtil ironia.

#002028 – 16 de Dezembro de 2024

mãos dissonantes

Se por vezes a intensidade clara do sentimento te assusta como se uma treva. Outras vezes é a turva intensidade que vais buscar para que doa ou exalte, de novo. A mão que ergues, abre-se rígida, aberta, para te fechar. Diz que não, não ainda, não aguento, não quero, não posso. A outra vai remexer. Diz, faz sentir, fui mau, mereço mal, mereço mais, fui bom, senti muito, foi lá atrás, antes, lá atrás é que foi.

É como se só a memória fosse suportável e segura. Conduzes-te assim, com duas mãos bastante ocupadas, uma que trava, outra que remexe. Com medo, sobretudo, com medo. Não vá vir de frente algo que seja necessário abraçar, e tu com as mãos tão ocupadas.

21 de Junho de 2015

#002027 – 15 de Dezembro de 2024

É fácil esquecer que negócio é a negação do ócio. Ou não reparar que regresso é a reversão de egresso.

#002026 – 14 de Dezembro de 2024

Novo conto, para um concurso. Regresso a mais um regresso.

#002025 – 13 de Dezembro de 2024

Já perto, o vento atira-me com chuva gelada e horizontal. Abrigo-me precariamente numa paragem de autocarro e lá chamo o Uber. Os dois metros até entrar no carro, faço-os com o carapuço. Dentro está confortável e quente, e a música é uma agradável bossa-nova, na voz da Maria Rita. Passado um par de minutos num silêncio tranquilo, e porque o motorista se chama Mateus, penso, que bom ter apanhado este brasileiro, e arrisco: “que música boa, lá fora está inverno mas aqui é... tropical”. Mateus respondeu-me num belo e inequívoco sotaque do Porto: “é, vou ouvindo rádio para me distrair, é trânsito o dia todo. Mas às vezes mudo de rádio e tá a dar a mesma música”. O meu comentário teve o efeito inesperado de rebentar aquela bolha momentânea de sossego. Lá fomos falando a caminho da Praça Velásquez, vendo o semáforo fica vermelho mais que uma vez. Ao chegar, os poucos metros até à clínica foram de vendaval, quase cinematográfico. Quase me apeteceu ter uma gabardina esvoaçante, em vez do hoodie. À espera da consulta com o nutricionista, escuto a habitual muzak, de tons jazzísticos, desta vez com temas natalícios. Mudou o ecossistema, os cliques do rato da recepcionistas e as buzinas dos automóveis lá fora compõem a atmosfera sonora. Antes do último ponto final, escuto ainda uma folha a ser impressa e um telemóvel a vibrar.

#002024 – 12 de Dezembro de 2024

Aos 13 anos, comecei por escrever crónicas. Isso parou quando li um livro do Miguel Esteves Cardoso e, por comparação, percebi que o fazia muito mal. Virei-me para a poesia até ler os Poemas Completos, do Herberto Helder, aos 19 anos. Há muito tempo que escrevo ficção, hábito de que não me consigo livrar, por mais que leia histórias, sobretudo de ficção científica. Não sei o que isto diz sobre a minha persistência. Ou sobre a minha sanidade.

#002023 – 11 de Dezembro de 2024

Trabalho de manta nos joelhos. Escuto Beauty Pill e sacudo os ossos.