#001982 – 31 de Outubro de 2024
Still House Plants ao vivo. Assisto a um desses momentos memoráveis, em que uma banda se revela uma das minhas referências. Não me lembro da última vez que isto aconteceu.
Still House Plants ao vivo. Assisto a um desses momentos memoráveis, em que uma banda se revela uma das minhas referências. Não me lembro da última vez que isto aconteceu.
Escreve ainda Sara Imari Walker que, em relação a vida noutros planetas, não é necessariamente verdade que a reconheceríamos ao vê-la, a abordagem “I'll know it when I'll see it”. E desafia mesmo o Sagan Standard, que defende “extraordinary claims need extraordinary proof”. Diz Sara Walker que os avanços deverão ser na capacidade de explicar. Dá o exemplo dos supostos avistamentos de OVNIS, em que a prova é extraordinária (fotos e vídeos), mas a explicação é praticamente inexistente. Segundo ela, não é de todo impensável que para uma prova simples uma teoria bem fundamentada seja o suficiente. Segundo Ted Chiang, diz Sara, a prova extraordinária que o convenceria de que descobrimos extraterrestres é o consenso científico.
Em “Life as no one knows it” Sara Imari Walker tem um capítulo que é escrito na segunda pessoa, dirigido a Einstein. Refere a cientista, nesta espécie de carta a Einstein, que em 14 de Setembro de 2015 as ondas gravitacionais, previstas 100 anos antes por Einstein, foram detectadas. A forma de o descrever é de uma poesia concreta que às vezes se vê no discurso científico. Escreve Sara que a sinfonia de um universo a descrever-se a si mesmo demorou 0,2 segundos e cantou nos nossos instrumentos 1,4 mil milhões de anos depois de acontecer. Nem Einstein era nascido nem sequer a vida na Terra era multicelular. A teoria de Einstein previu aspectos de eventos que aconteceram no seu passado e que só poderiam ser confirmados por nós no seu futuro. O tempo que demoraram a chegar até nós as ondas gravitacionais provocadas por dois buracos negros em colisão tem esta estranheza, em que o presente é, muito concretamente, o futuro de um passado incrivelmente distante que só agora podemos medir.
“The universe is far larger in time than it is in space”, diz Sara Imari Walker.
Hoje milhares de pessoas saíram para a rua e exigiram justiça e o fim da violência policial. Esta é uma causa que nos deve unir. A marcação de uma contra-manifestação mostra como há um partido (e vários movimentos políticos, mais ou menos organizados), que apostam precisamente na divisão e no incitamento ao ódio como forma de crescer. Não passarão.
“The Great Bailout”, da Moor Mother, ilustra bem as contradições em que me encontro. Emocionalmente estou em enorme e dorida sintonia com esta música e o peso que a história do racismo nos EUA lhe amplifica. Pouca arte me tem tocado de forma tão direta sobre a condição das pessoas que continuam a ser discriminadas, a sofrer violência racial e que estão muito conscientes da feia continuidade da história do racismo. Sinto essa identificação emocional ainda mais intensa e imediatamente que a solidariedade política que a razão produz em mim. E isso acontece mesmo se discordo da terminologia e se algumas ideias são até contrárias ao caminho que acredito poder mudar as coisas. A frase “the truth won't do you no good” parece algo saído de livros como “White Fragility”, normalizando o racismo e cristalizando a identidade racial branca. Esta música toca-me e liga-me a quem a produz, mesmo se está embebida de alguns dos erros que vejo, já de forma racional, em algum do activismo online. Já o meu lado racional é alimentado, muito bem nutrido aliás, de obras primas como “Racecraft”, das maravilhas irmãs Fields. Poucos livros me iluminaram tanto como esse, mostrando-me que “only the truth can do us good”.
Há algo de muito belo na dissonância emocional que se escuta em “Stone” da PJ Harvey. Com uma intensidade de raiva e quase desespero, canta Harvey: “My heart has turned to stone / What if my heart has gone?”. O tom em que as palavras são cantadas são de quem muito obviamente tem um coração a bater no peito, intensamente.
O álbum “Utp_” é uma obra prima. Junta alva noto, Ryuichi Sakamoto e o Ensemble Modern. Escutá-lo é ser inundado de coisas difíceis de nomear. É ouvir os sons de algo imenso, a ser tocado com a cautela de deuses a procurar evitar um cataclismo. Ou antes, como aos sons dos glaciares, é a revelação do que acontece no atrito íntimo da matéria consigo mesma. Ou o enigma que emerge quando há só realidade, sem interpretação. A beleza toda que o conceito não contém.
A actuação da polícia volta a resultar numa vítima mortal. Online tento entrar em diálogo com a minha gente, os do meu lado político. Mas só encontro trincheira. Não quero combate, não quero guerra, não quero sequer ter razão. Quero que acabe o racismo instituído, os assassinatos à mão da polícia, que os movimentos de extrema-direita não tenham lugar nas forças de segurança pública. Não há nenhuma solução fácil e colocar gasolina na fogueira certamente funciona, mas não para apagar o fogo. Nunca foi tão urgente como agora falarmos de racismo e de como o combater. Mas ninguém quer falar, porque quase toda a gente sente que tem razão e já escolheu o seu lado da trincheira. Não é assim que uma sociedade doente muda. E isto tem mesmo de mudar.