Kroeber

#001982 – 31 de Outubro de 2024

Still House Plants ao vivo. Assisto a um desses momentos memoráveis, em que uma banda se revela uma das minhas referências. Não me lembro da última vez que isto aconteceu.

#001981 – 30 de Outubro de 2024

Lentidão invernosa. Como e durmo e aguardo que chegue a luz.

#001980 – 29 de Outubro de 2024

Escreve ainda Sara Imari Walker que, em relação a vida noutros planetas, não é necessariamente verdade que a reconheceríamos ao vê-la, a abordagem “I'll know it when I'll see it”. E desafia mesmo o Sagan Standard, que defende “extraordinary claims need extraordinary proof”. Diz Sara Walker que os avanços deverão ser na capacidade de explicar. Dá o exemplo dos supostos avistamentos de OVNIS, em que a prova é extraordinária (fotos e vídeos), mas a explicação é praticamente inexistente. Segundo ela, não é de todo impensável que para uma prova simples uma teoria bem fundamentada seja o suficiente. Segundo Ted Chiang, diz Sara, a prova extraordinária que o convenceria de que descobrimos extraterrestres é o consenso científico.

#001979 – 28 de Outubro de 2024

Em “Life as no one knows it” Sara Imari Walker tem um capítulo que é escrito na segunda pessoa, dirigido a Einstein. Refere a cientista, nesta espécie de carta a Einstein, que em 14 de Setembro de 2015 as ondas gravitacionais, previstas 100 anos antes por Einstein, foram detectadas. A forma de o descrever é de uma poesia concreta que às vezes se vê no discurso científico. Escreve Sara que a sinfonia de um universo a descrever-se a si mesmo demorou 0,2 segundos e cantou nos nossos instrumentos 1,4 mil milhões de anos depois de acontecer. Nem Einstein era nascido nem sequer a vida na Terra era multicelular. A teoria de Einstein previu aspectos de eventos que aconteceram no seu passado e que só poderiam ser confirmados por nós no seu futuro. O tempo que demoraram a chegar até nós as ondas gravitacionais provocadas por dois buracos negros em colisão tem esta estranheza, em que o presente é, muito concretamente, o futuro de um passado incrivelmente distante que só agora podemos medir.

#001978 – 27 de Outubro de 2024

“The universe is far larger in time than it is in space”, diz Sara Imari Walker.

#001977 – 26 de Outubro de 2024

Hoje milhares de pessoas saíram para a rua e exigiram justiça e o fim da violência policial. Esta é uma causa que nos deve unir. A marcação de uma contra-manifestação mostra como há um partido (e vários movimentos políticos, mais ou menos organizados), que apostam precisamente na divisão e no incitamento ao ódio como forma de crescer. Não passarão.

#001976 – 25 de Outubro de 2024

“The Great Bailout”, da Moor Mother, ilustra bem as contradições em que me encontro. Emocionalmente estou em enorme e dorida sintonia com esta música e o peso que a história do racismo nos EUA lhe amplifica. Pouca arte me tem tocado de forma tão direta sobre a condição das pessoas que continuam a ser discriminadas, a sofrer violência racial e que estão muito conscientes da feia continuidade da história do racismo. Sinto essa identificação emocional ainda mais intensa e imediatamente que a solidariedade política que a razão produz em mim. E isso acontece mesmo se discordo da terminologia e se algumas ideias são até contrárias ao caminho que acredito poder mudar as coisas. A frase “the truth won't do you no good” parece algo saído de livros como “White Fragility”, normalizando o racismo e cristalizando a identidade racial branca. Esta música toca-me e liga-me a quem a produz, mesmo se está embebida de alguns dos erros que vejo, já de forma racional, em algum do activismo online. Já o meu lado racional é alimentado, muito bem nutrido aliás, de obras primas como “Racecraft”, das maravilhas irmãs Fields. Poucos livros me iluminaram tanto como esse, mostrando-me que “only the truth can do us good”.

#001975 – 24 de Outubro de 2024

Há algo de muito belo na dissonância emocional que se escuta em “Stone” da PJ Harvey. Com uma intensidade de raiva e quase desespero, canta Harvey: “My heart has turned to stone / What if my heart has gone?”. O tom em que as palavras são cantadas são de quem muito obviamente tem um coração a bater no peito, intensamente.

#001974 – 23 de Outubro de 2024

O álbum “Utp_” é uma obra prima. Junta alva noto, Ryuichi Sakamoto e o Ensemble Modern. Escutá-lo é ser inundado de coisas difíceis de nomear. É ouvir os sons de algo imenso, a ser tocado com a cautela de deuses a procurar evitar um cataclismo. Ou antes, como aos sons dos glaciares, é a revelação do que acontece no atrito íntimo da matéria consigo mesma. Ou o enigma que emerge quando há só realidade, sem interpretação. A beleza toda que o conceito não contém.

#001973 – 22 de Outubro de 2024

A actuação da polícia volta a resultar numa vítima mortal. Online tento entrar em diálogo com a minha gente, os do meu lado político. Mas só encontro trincheira. Não quero combate, não quero guerra, não quero sequer ter razão. Quero que acabe o racismo instituído, os assassinatos à mão da polícia, que os movimentos de extrema-direita não tenham lugar nas forças de segurança pública. Não há nenhuma solução fácil e colocar gasolina na fogueira certamente funciona, mas não para apagar o fogo. Nunca foi tão urgente como agora falarmos de racismo e de como o combater. Mas ninguém quer falar, porque quase toda a gente sente que tem razão e já escolheu o seu lado da trincheira. Não é assim que uma sociedade doente muda. E isto tem mesmo de mudar.