#001961 – 10 de Outubro de 2024
A música de M.I.A. funciona comigo como o som do flautista de Hamelin. Fico num alvoroço de movimento incontrolável, numa exuberância de dança e alegria. Até me esqueço de tudo o que é...
A música de M.I.A. funciona comigo como o som do flautista de Hamelin. Fico num alvoroço de movimento incontrolável, numa exuberância de dança e alegria. Até me esqueço de tudo o que é...
Furações. Kirk, o que ontem derrubou árvores e estruturas e provocou acidentes rodoviários no norte de Portugal. Milton, o que se aproxima da Flórida e que poderá ser o mais destrutivo de sempre na região.
Continuo a achar estranho que se confunda determinismo com predestinação. Que se diga pré-determinado para falar de cadeias de causa e efeito. Sem a teoria do caos, não consigo pensar nos fenómenos, nas ligações entre cada evento, cada circunstância. Em cada momento, a cada evento, como quando alguém cai na rua, a realidade física é determinada por causas e efeitos, é verdade. Mas os sistemas em que nos movemos, em que a matéria existe, são muito complexos, inevitavelmente caóticos. Basta que a pessoa caia uma fracção de segundo antes para desencadear eventos ligeira ou totalmente diferentes.
E não acredito que seja alguma vez possível conhecer todas as condições iniciais. Nunca sabemos, como no mesmo exemplo, tudo o que pode afectar a velocidade, o local, a trajetória, a intensidade nem sequer a probalidade de alguém cair no chão. Só em abstracto é que estudamos os movimentos Newtonianos, pensando só em massa, energia, velocidade, fricção e outras coisas finitas, mensuráveis e de variação previsível. Quando o movimento é o de uma pessoa numa cidade, há a somar a tudo o que já se desconhece, todas as condições interiores, químicas, psicológicas, neurológicas. E não imagino que fosse possível elencar todas as condições. Como na matemática, em que há infinitos incontáveis (como o conjunto de todos os números reais), não é contável, sugiro, o conjunto de todas as condições, suas causas imediatas e seus efeitos imediatos. Porque assim que se altera um detalhe ínfimo, se estrutura nova quantidade imensa de novas relações de causa e efeito.
Esta é a outra face da inexistência do livre arbítrio: o caos. Não é que se possa imaginar agirmos em liberdade absoluta, sem que as nossas acções sejam efeitos determinados por causas reais. O determinismo é o que faz mais sentido. Mas também não faz sentido a ideia de que tudo está pré-determinado. Cada pequena variação importa. É o caos a nossa redenção, o espaço entrelinhas em que nos movemos. É uma espécie de arbítrio condicionado, fractal, onde cabe tudo o que é possível, num infinito demasiado grande, com espaço suficiente para a nossa acção no mundo.
Menos de um mês para as eleições presidenciais americanas. É a terceira vez que, no resto do mundo, aguardarmos nervosamente. Divididos e contaminados pelas maleitas políticas daquele país, parece que mais uma vez é a final countdown, que estamos mais perto do fim do mundo, ou da democracia, ou da possibilidade de paz, ou das condições de habitabilidade no planeta. Como é que chegámos aqui, tão dependentes desta cultura tão destrutiva, deste império tão decadente?
Saltaram peças do meu MixUp cube, que se desmanchou. Resolver um cubo destes é um prazer, depois de se aprender, não é bem um quebra-cabeças, é uma forma de treinar a agilidade visual e a coordenação motora. Já voltar a montá-lo, isso sim, é uma tarefa hercúlea, que continuo a adiar.
Pouca luz. Se não chove, nuvens espessas. A amostra anual de inverno suave, à portuguesa, confirma-me sempre que não conseguiria viver num país perto do ártico. E, na verdade, ainda mal começou o outono.
Arrumações. Fenómeno bizarro este de coisas encontrarem o seu lugar no íntimo, ao se arrumarem objectos no espaço em volta.
Peso menos sete quilos do que há dois meses atrás. E ganhei músculo. Sabe bem este reequilibrar de massa e força. Tiro mais prazer das viagens de bicicleta, as costas deixaram de doer, tenho mais fôlego.
Regresso a casa de comboio. Liga-me a Dona Ana, de um parque de campismo onde fiquei, porque me esqueci de um carregador de telemóvel. Senhora simpática, com uma inclinação artística. A recepção e a sala de convívio estão cheias das obras de arte dela, feitas com papel colorido. As borboletas e flores de papel, bem como os quadros abstractos de papel reutilizado são uma expressão da sua personalidade, igualmente criativa e cheia de cor. Até eu, teimosamente virado para dentro, solitário por natureza e opção, fui falando com as pessoas com que me cruzei. Viajar sozinho e devagar dá para isto: aprecio mais a companhia das pessoas, falo menos, escuto mais e, espantosamente, mais facilmente crio uma ligação. Até na viagem de comboio assim foi, vim a conversar desde a Pampilhosa até Espinho, com a senhora sentada ao meu lado, sobre comboios sobretudo.
De manhã, está o toldo encharcado e eu seco e repousado. Soube bem dormir suspenso, quente dentro do saco-cama, sentido a névoa no rosto de vez em quando. Choveu um pouco e eu ao relento mas aconchegado. Daqui a uma semana acampo do mesmo modo no Gerês, mas com temperaturas baixas. Não sei se estou preparado. Hoje passei pela Nazaré, debaixo de chuva que me encharcou durante 10 quilómetros. Passei por São Pedro do Sul, onde comi num local que reconheci e cheguei à Foz do Arelho espantado com a facilidade com que pedalei uma bicicleta carregada ao longo de distância considerável em tempo razoável. Dormi numa cama e apanho o comboio de regresso. Queria ter começado a viajar de bicicleta há 30 anos. O passado já foi. Um futuro assim: usando o meu esforço para me locomover através da paisagem, agrada-me.