view#002034 – 22 de Dezembro de 2024
Vejo um vídeo de um Binturong a caminhar ao longo de um ramo de árvore. Clico para ler os comentários e o primeiro expressa a minha exata perplexidade: “I hate that now I think everything is AI”. O Binturong existe, vive na Tailândia, ainda que seja uma espécie ameaçada.
view#002033 – 21 de Dezembro de 2024
Skate e sol. Frio e vontade de me mexer. Dezembro tem sido lento e calórico. O metro está quase a chegar Matosinhos.
view#002032 – 20 de Dezembro de 2024
No Natal, a família junta-se. A minha sobrinha faz muitos desenhos, alguns para mim. Desenha com talento e criatividade. Mas não como um adulto. Um desenho da minha sobrinha, ou de outra criança, é um mandala. Enquanto desenha está completamente imersa no gesto, na criação. Assim que termina, acabou também o mais importante. Um desenho terminado é algo que já passou, que não gera apego. Desenhar é objectivo que se cumpre em si mesmo. Não sei bem o que isso me ensina. Talvez que uma criança está mais próxima da espiritualidade que da arte conceptual. Talvez nem seja necessário tirar lições do que é tão imediato.
view#002031 – 19 de Dezembro de 2024
A velocidade ajuda a perceber que o ar é um fluido. Num carro, colocamos a mão de fora e brincamos com a mão, como num túnel a testar alterações à aerodinâmica. Em queda livre, antes de abrir o paraquedas, ou num wingsuit, imagino, será evidente que o ar é semelhante a um líquido, menos denso, mas com as mesmas propriedades. Esse gesto, de colocar a mão de fora do carro, é dos mais repetidos no cinema. Invoca talvez algum comum às crianças, a intuição com que se investiga o mundo, nesse estado de graça que não diferencia a brincadeira da exploração, o que faz rir do que ensina.
view#002030 – 18 de Dezembro de 2024
Desta vez Marisa Monte no rádio. E a conversa é sobre música, o condutor do Uber é um baixista brasileiro, amigo do Munir Hossn. Diz-me que sendo baiano, não gosta de Axé. Faz-me escutar várias canções do Pipoquinha, que, diz-me, é considerado pelo Victor Wooten como o melhor baixista do mundo. Desejo-lhe bom Natal, e sigo-o no Instagram.
view#002029 – 17 de Dezembro de 2024
Estou ainda no início do longo The Book of Elsewhere. O terceiro capítulo é perfeito. Escrito na segunda pessoa, apresenta uma personagem num tom mitológico, com subtil ironia.
view#002028 – 16 de Dezembro de 2024
mãos dissonantes
Se por vezes a intensidade clara do sentimento te assusta como se uma treva. Outras vezes é a turva intensidade que vais buscar para que doa ou exalte, de novo. A mão que ergues, abre-se rígida, aberta, para te fechar. Diz que não, não ainda, não aguento, não quero, não posso. A outra vai remexer. Diz, faz sentir, fui mau, mereço mal, mereço mais, fui bom, senti muito, foi lá atrás, antes, lá atrás é que foi.
É como se só a memória fosse suportável e segura. Conduzes-te assim, com duas mãos bastante ocupadas, uma que trava, outra que remexe. Com medo, sobretudo, com medo. Não vá vir de frente algo que seja necessário abraçar, e tu com as mãos tão ocupadas.
21 de Junho de 2015
view#002027 – 15 de Dezembro de 2024
É fácil esquecer que negócio é a negação do ócio. Ou não reparar que regresso é a reversão de egresso.
view#002026 – 14 de Dezembro de 2024
Novo conto, para um concurso. Regresso a mais um regresso.
view#002025 – 13 de Dezembro de 2024
Já perto, o vento atira-me com chuva gelada e horizontal. Abrigo-me precariamente numa paragem de autocarro e lá chamo o Uber. Os dois metros até entrar no carro, faço-os com o carapuço. Dentro está confortável e quente, e a música é uma agradável bossa-nova, na voz da Maria Rita. Passado um par de minutos num silêncio tranquilo, e porque o motorista se chama Mateus, penso, que bom ter apanhado este brasileiro, e arrisco: “que música boa, lá fora está inverno mas aqui é... tropical”. Mateus respondeu-me num belo e inequívoco sotaque do Porto: “é, vou ouvindo rádio para me distrair, é trânsito o dia todo. Mas às vezes mudo de rádio e tá a dar a mesma música”. O meu comentário teve o efeito inesperado de rebentar aquela bolha momentânea de sossego. Lá fomos falando a caminho da Praça Velásquez, vendo o semáforo fica vermelho mais que uma vez. Ao chegar, os poucos metros até à clínica foram de vendaval, quase cinematográfico. Quase me apeteceu ter uma gabardina esvoaçante, em vez do hoodie. À espera da consulta com o nutricionista, escuto a habitual muzak, de tons jazzísticos, desta vez com temas natalícios. Mudou o ecossistema, os cliques do rato da recepcionistas e as buzinas dos automóveis lá fora compõem a atmosfera sonora. Antes do último ponto final, escuto ainda uma folha a ser impressa e um telemóvel a vibrar.