Kroeber

#001643 – 05 de Março de 2024

De novo poeiras do Sahara no ar. No ecrã, extraterrestres a caminho da Terra, na adaptação do “The Three-Body Problem”, de Liu Cixin.

#001642 – 04 de Março de 2024

Estou nas últimas páginas de “Big Sur and the Oranges of Hieronymus Bosch”. Henry Miller, na terceira parte do livro, descreve a relação com Moricand, primo de Anaïs Nin. Este vem, a certa altura, viver com Miller e a família, na minúscula e muito modesta casa no Big Sur. Como prenda, o francês traz um relógio de parede. É revelador ler do autor americano o seguinte: “I tried to express my appreciation of the marvelous gift he had made me, but somehow, deep inside, I was against the bloody clock. There was not a single possession of ours which was precious to me. Now I was saddled with an object which demanded care and attention.

#001641 – 03 de Março de 2024

Há ainda casos em que a entrada no caderno se assemelha à premissa de uma potencial narrativa. 14 de Junho de 2021: “Viajo atrás no tempo para começar a escrever mais cedo e publicar logo. Distraio-me com tudo o resto” ; 2 de Outubro de 2021: “Depois de tudo o que se passou, o homem não se lembrou de que lhe tinha saldo a vida.” ; 22 de Novembro de 2021: “O cérebro do Henry Kissinger foi mapeado por um computador quântico.”

#001640 – 02 de Março de 2024

Outras vezes, o que me chama a atenção é quão lacónico é o registo daquela noite a sonhar. 3 de Dezembro de 2019: “Um beijo acordou-me” ; 20 de Dezembro de 2019: “Voei muito. E não só.

#001639 – 01 de Março de 2024

Há bem mais de dez anos que registo sonhos. Tenho papel e caneta ao pé da mesinha de cabeceira, para escrever umas linhas enquanto existe memória do sonho. Desde 2019 que o faço no mesmo caderno. Noto, ao reler, algum ocasional sentido de humor, como na entrada de 26 de Novembro de 2019: “A má notícia é que virei a panela a ferver e queimei-me. A boa notícia é que era um sonho.

#001638 – 29 de Fevereiro de 2024

Leap Day. No Português este dia não tem nem o nome nem o conceito.

#001637 – 28 de Fevereiro dd 2024

Ao ler Henry Miller, desaponta-me a sua predileção pela astrologia.

#001636 – 27 de Fevereiro de 2024

O optimismo é uma posição pouco, cada vez menos, popular. As duas críticas que mais frequentemente lhe apontam partem de uma mesma ideia. A de que o optimismo é inimigo do realismo. Uma delas atribui ao optimismo o erro de achar que as coisas estão bem, mesmo contra as evidências. A outra, semelhante, acusa o optimista de se convencer que as coisas ficarão bem, mesmo sem nenhum elemento que o sugira.

Pois eu, sendo optimista, sofro talvez da mesma estreiteza preconceituosa dos críticos vindos do lado pessimista da humanidade. Geralmente vejo a posição pessimista como cínica, como uma defesa de que não vale a pena fazer nada, porque as coisas estão mal ou porque, apesar dos nossos esforços, ficarão mal.

Digo que sou optimista, mas a minha predisposição parece-me modesta: embora considere que as coisas estão mal, julgo que vale a pena tentar melhorá-las.

#001635 – 26 de Fevereiro de 2024

O espaço disponível para a esquerda não-identitária é limitado. O neo-liberalismo conseguiu mercantilizar quase tudo, transformar em produto cada aspiração pessoal, chamar privilégio a cada um dos direitos sociais, explorar enquanto nichos de mercado cada sub-cultura. E até vender a sua própria ideologia como política progressista, convencer-nos que votamos com a carteira, que ao escolher o que comprar, o que boicotar, estamos a fazer activismo. Se olharmos para os EUA e o Brasil, o triunfo deste novo tipo de populismo ajudou a entrincheirar a política. Há o risco de criar blocos morais, em que a dissidência é vista como traição, em que a diferença de opinião é encarada como falha ideológica intolerável. Tendo visto o estrago noutros países, convém tomarmos a vacina. É a diversidade de tendências, a insistência na discussão, a tradição académica, a própria dissidência intelectual que dá força à esquerda. Todas as vezes que na história essa dissidência foi reprimida isso era sintoma de totalitarismo, censura, autoritarismo. Que ela aconteça na extrema direita não nos surpreende. Que aconteça à esquerda deve preocupar-nos. Não devemos deixar que ninguém nos coloque em trincheira, que escolha por nós a lista de items a defender nem que nos diga que modalidades de pensamento são aceitáveis. E, sobretudo, não podemos limitar a política ao meme, ao vídeo de segundos, ao comentário sarcástico, à internet. É tempo de sermos cidadãos e cidadãs, democratas, em solidariedade, com liberdade de pensamento e lucidez.

#001634 – 25 de Fevereiro de 2024

Os emigrantes a votar num partido anti-emigração. A política do medo, do ódio, do “ajuste de contas” com a história dispensa a concórdia, a razão, a justiça.