Kroeber

#001959 – 08 de Outubro de 2024

Continuo a achar estranho que se confunda determinismo com predestinação. Que se diga pré-determinado para falar de cadeias de causa e efeito. Sem a teoria do caos, não consigo pensar nos fenómenos, nas ligações entre cada evento, cada circunstância. Em cada momento, a cada evento, como quando alguém cai na rua, a realidade física é determinada por causas e efeitos, é verdade. Mas os sistemas em que nos movemos, em que a matéria existe, são muito complexos, inevitavelmente caóticos. Basta que a pessoa caia uma fracção de segundo antes para desencadear eventos ligeira ou totalmente diferentes.

E não acredito que seja alguma vez possível conhecer todas as condições iniciais. Nunca sabemos, como no mesmo exemplo, tudo o que pode afectar a velocidade, o local, a trajetória, a intensidade nem sequer a probalidade de alguém cair no chão. Só em abstracto é que estudamos os movimentos Newtonianos, pensando só em massa, energia, velocidade, fricção e outras coisas finitas, mensuráveis e de variação previsível. Quando o movimento é o de uma pessoa numa cidade, há a somar a tudo o que já se desconhece, todas as condições interiores, químicas, psicológicas, neurológicas. E não imagino que fosse possível elencar todas as condições. Como na matemática, em que há infinitos incontáveis (como o conjunto de todos os números reais), não é contável, sugiro, o conjunto de todas as condições, suas causas imediatas e seus efeitos imediatos. Porque assim que se altera um detalhe ínfimo, se estrutura nova quantidade imensa de novas relações de causa e efeito.

Esta é a outra face da inexistência do livre arbítrio: o caos. Não é que se possa imaginar agirmos em liberdade absoluta, sem que as nossas acções sejam efeitos determinados por causas reais. O determinismo é o que faz mais sentido. Mas também não faz sentido a ideia de que tudo está pré-determinado. Cada pequena variação importa. É o caos a nossa redenção, o espaço entrelinhas em que nos movemos. É uma espécie de arbítrio condicionado, fractal, onde cabe tudo o que é possível, num infinito demasiado grande, com espaço suficiente para a nossa acção no mundo.

#001958 – 07 de Outubro de 2024

Menos de um mês para as eleições presidenciais americanas. É a terceira vez que, no resto do mundo, aguardarmos nervosamente. Divididos e contaminados pelas maleitas políticas daquele país, parece que mais uma vez é a final countdown, que estamos mais perto do fim do mundo, ou da democracia, ou da possibilidade de paz, ou das condições de habitabilidade no planeta. Como é que chegámos aqui, tão dependentes desta cultura tão destrutiva, deste império tão decadente?

#001957 – 06 de Outubro de 2024

Saltaram peças do meu MixUp cube, que se desmanchou. Resolver um cubo destes é um prazer, depois de se aprender, não é bem um quebra-cabeças, é uma forma de treinar a agilidade visual e a coordenação motora. Já voltar a montá-lo, isso sim, é uma tarefa hercúlea, que continuo a adiar.

#001956 – 05 de Outubro de 2024

Pouca luz. Se não chove, nuvens espessas. A amostra anual de inverno suave, à portuguesa, confirma-me sempre que não conseguiria viver num país perto do ártico. E, na verdade, ainda mal começou o outono.

#001955 – 04 de Outubro de 2024

Arrumações. Fenómeno bizarro este de coisas encontrarem o seu lugar no íntimo, ao se arrumarem objectos no espaço em volta.

#001954 – 03 de Outubro de 2024

Peso menos sete quilos do que há dois meses atrás. E ganhei músculo. Sabe bem este reequilibrar de massa e força. Tiro mais prazer das viagens de bicicleta, as costas deixaram de doer, tenho mais fôlego.

#001953 – 02 de Outubro de 2024

Regresso a casa de comboio. Liga-me a Dona Ana, de um parque de campismo onde fiquei, porque me esqueci de um carregador de telemóvel. Senhora simpática, com uma inclinação artística. A recepção e a sala de convívio estão cheias das obras de arte dela, feitas com papel colorido. As borboletas e flores de papel, bem como os quadros abstractos de papel reutilizado são uma expressão da sua personalidade, igualmente criativa e cheia de cor. Até eu, teimosamente virado para dentro, solitário por natureza e opção, fui falando com as pessoas com que me cruzei. Viajar sozinho e devagar dá para isto: aprecio mais a companhia das pessoas, falo menos, escuto mais e, espantosamente, mais facilmente crio uma ligação. Até na viagem de comboio assim foi, vim a conversar desde a Pampilhosa até Espinho, com a senhora sentada ao meu lado, sobre comboios sobretudo.

#001952 – 01 de Outubro de 2024

De manhã, está o toldo encharcado e eu seco e repousado. Soube bem dormir suspenso, quente dentro do saco-cama, sentido a névoa no rosto de vez em quando. Choveu um pouco e eu ao relento mas aconchegado. Daqui a uma semana acampo do mesmo modo no Gerês, mas com temperaturas baixas. Não sei se estou preparado. Hoje passei pela Nazaré, debaixo de chuva que me encharcou durante 10 quilómetros. Passei por São Pedro do Sul, onde comi num local que reconheci e cheguei à Foz do Arelho espantado com a facilidade com que pedalei uma bicicleta carregada ao longo de distância considerável em tempo razoável. Dormi numa cama e apanho o comboio de regresso. Queria ter começado a viajar de bicicleta há 30 anos. O passado já foi. Um futuro assim: usando o meu esforço para me locomover através da paisagem, agrada-me.

#001951 – 30 de Setembro de 2024

Começo o dia com outra pequena travessia de ferry. É uma cena inicial clássica para uma narrativa de viagem. O pequeno catamarã eléctrico que liga as duas margens do Mondego estava carregado de bicicletas. Meto conversa com o senhor que as vai desprender, um Buarqueiro bem disposto, de pele torrada do sol, que me diz que o recorde foi um dia em que conseguiu ali encaixar 19 bicicletas e duas trotinetes. O caminho é mais curto que o de ontem, feito no sentido contrário da viagem que fiz com um amigo da Nazaré para norte. São Pedro de Moel surpreende-me, as casas de varandas de madeira são bonitas, o mar ali é de inverno, o som imenso, há ondas excelentes e apenas um surfista na água. Começo o jantar debaixo do sol poente, a dourada grelhada acabo-a comendo a cabeça com as mãos.

#001950 – 29 de Setembro de 2024

Adormeço com o som de mar mais estrondoso e terrível da minha vida. Meio maravilhado com a magnitude sonora, assustado com não ver a fonte do som, fui enchendo a imaginação de cenários de tsunami, sentindo-me mais e mais pequeno, embalado pelo balanço da rede. De manhã saí de Mira e cedo se juntou a mim um viajante suíço, que pedala pela Europa há um mês. Vamos a falar sobre a beleza da natureza e a fealdade do capitalismo até Quiaios. Ele segue a direito, encaminho-o ao Miradouro da Bandeira, de onde poderá ver a costa no sentido norte. Dei-lhe algumas indicações sobre o ferry e disse-lhe que o Cabedelo é o melhor sítio para surfar e segui para a estrada do Enforca Cães, contornando a Serra da Boa Viagem do lado mar. Sento-me para comer no Volta e Meia, feliz.