view#001783 – 23 de Julho de 2024
Quinto dia. O mais quente e mais preguiçoso. Depois de uma noite mal dormida, com o barulho dos vizinhos do parque do campismo a deixar-me menos irritado do que seria de esperar mas, ainda assim a impedir-me o sono. Desvio-me para o Moinho dos Moços e descubro um Ribeiro com água fresca, pedras com musgos, libélulas azuis e borboletas. Dispo-me e tomo um banho que me arrefece a inquietação. O coração desacelera e refresco a impaciência. Amanhã levantei-me às 5h00. Vai ser um dia muito quente e vou subir muito. Preciso de descansar. Mas tenho um pouquinho, não muito, mas um pouquinho mais de paciência. Comi uns pimientos e vou para o gelado agora com uma boa disposição. Leio muito, respiro melhor.
view#001782 – 22 de Julho de 2024
Quarto dia. Subiu a temperatura. Fiz vinte preguiçosos quilómetros ao longo do dia, quase sempre à sombra. Nunca longe da margem do Lima. Dormi uma soneca, comi pimentos de padron, dormi mais outra soneca. Fui de novo à aldeia, encher daquela água fresca os meus cantis. Desacelerei ainda mais. Agora bebo uma caña e espero a minha lasagna de carne de Cachena. O Naruto anda por aí – o malamute do cozinheiro aqui do Chiringuito. A diferença horária faz com que às dez da noite ainda não tenha anoitecido completamente. Gosto de andar fora de ritmo. Como a horas diferentes das pessoas daqui, vou para sítios sem ninguém, passeio a tranquilidade que me vai nascendo.
view#001781 – 21 de Julho de 2024
Terceiro dia. Já o tempo parou. Fico baralhado, a pensar que já passaram mais dias. Dormi dez horas na rede. Pedalei ao longo do Lima, num percurso tão bonito como o que circunda a Lagoa Azul, nas Sete Cidades, mas ciclável. Dormi uma sesta com o som da água. E quando entrei no Lima, não quis sair mais, a água à temperatura que a minha alma precisava. Depois ainda passei pela aldeia de Pazos, onde o sossego me curou. Fiquei sentado na fonte, onde a água de lavar a roupa corria sem um ruído que a abafasse. O reflexo da água na pedra era lindo, filmei uns segundos com banda sonora líquida. Decidi ficar até quarta, não sem me espantar de novo com a elasticidade do tempo, que parece do meu lado.
view#001780 – 20 de Julho de 2024
Segundo dia. Depois de ter adormecido a ver as estrelas, cruzo-me com um garrano ao começar a pedalar. Serão 43 quilómetros a subir, pouco menos de quatro horas a pedalar. Uma parte à chuva, atravessando um nevoeiro cerrado. Assim que passo a fronteira, páro para comer. Uma mesa de velhotes portugueses e galegos bebem e falam, cada um na sua língua. Como umas lulas grelhadas, e o molho todo com pão. O presunto e os espargos tinham aberto o apetite. Deixa de chover e espreito as previsões. Haverá umas duas horas sem chuva, que eu aproveito. A ideia era ir até Pitões das Júnias. Passo pelo rio Cabril, e ainda me vou convencendo, a custo que as pernas ainda sobem mais 25 quilómetros. Mas vejo uma placa e desvio-me para Muiños. Há aqui um parque de campismo, num local muito bonito. O banho quente que tomei foi dos melhores da minha vida. Está será a segunda noite que durmo na rede. Talvez chova.
view#001779 – 19 de Julho de 2024
Primeiro dia. Acordo às 5h30 para ir de comboio até Viana do Castelo. Uma bola de berlim no Zé Natário e pedalo até Ponte da Barca, com sombra. Afasto-me um pouco do Lima, para 10 kms pela EN-230. Entre-ambos-os-rios é um local rodeado de água e verde. Como um prego com queijo da serra em pão rústico e leio um pouco. Desço até ao rio. Uns holandeses tomam banho, parecem enregelados, queixam-se o suficiente para me adiar o banho. A margem é linda, erva e flores, à sombra de árvores de raízes submergidas. Molho os pés e apercebo-me de que a margem cheira muito bem. As flores roxas são de hortelã, bem viçosa aqui perto da água, que afinal está óptima. Mergulho com prazer, a tranquilidade nem sequer é perturbada por uma voz feminina francesa a falar, quase em surdina, sobre as eleições no seu país. Escrevo e o som do vento é agradável. Lembro-me dos alfaiates, da libélulas azul eléctrico a voar silenciosamente sobre a água. Hoje no comboio, vacilei. Este coração empedernido, por momentos, sentiu uma enorme gratidão pela vida que tenho. A solidão é a cura, a forma de me preparar para lidar com o resto do mundo.
view#001778 – 18 de Julho de 2024
A forma como o actual governo de Israel conseguiu obter um apoio quase incondicional dos Estados Unidos e da União Europeia mostra, entre outras coisas, como os fundamentos da política identitária falham tragicamente.
Mais ainda que apoio militar e político, o governo de Israel conseguiu que os governos seus aliados limitem de forma intensa e implacável qualquer manifestação de uma opinião contrária ao caminho actual, de genocídio, repressão e colonialismo levado ao extremo. Nos Estados Unidos e um pouco por toda a Europa, na Alemanha com uma intensidade alarmante, quem protesta pacificamente sofre violência policial, quem exibe uma bandeira da Palestina é removido do espaço público.
O governo de Netanyahu conseguiu instrumentalizar um dos mantras do activismo identitário: que só a vítima de opressão tem legitimidade para definir o que é opressão e que tudo aquilo que é apontado pela vítima como opressão o é obviamente.
Muitos judeus, por todo o mundo, estão na primeira linha dos protestos, sofrem cargas policiais e arriscam diariamente as consequências da sua resistência, em solidariedade com os palestinianos. Ainda assim, este governo israelita conseguiu convencer o mundo que é a máxima instituição que representa a voz dos judeus todos, a viver em Israel ou na diáspora, todos os que vivem ou já não estão entre nós. E que o mundo deve seguir à risca o seu regulamento sobre o que é ou não é anti-semitismo. E para Netanyahu qualquer opinião contrária às suas políticas é, obviamente, anti-semitismo.
Estou muito pessimista. Não acredito que consigamos, nos tempos que se avizinham, tirar lições disto. Temos até agora combatido opressão com opressão, intolerância com intolerância, ataques a liberdade de expressão com o escalar a esses ataques. Não vejo indícios de mudança. Temos de resistir, continuar solidários com todos os seres humanos que sofrem às mãos de exércitos invasores ou sob o jugo dos seus próprios governantes. E encontrar forma de manter lucidez argumentativa, abertura e respeito por quem discorda de nós, e não sucumbir às armadilhas que levam a desumanizar o adversário ou a desconsiderar vozes dissidentes. Mas não sei como.
view#001777 – 17 de Julho de 2024
Sobre Homogenic, diz Björk: “we did not want to go back to Nature; we wanted to go forward to Nature”. Eloquência que só alguém que fala inglês como língua estrangeira pode ter.
view#001776 – 16 de Julho de 2024
Há borboletas que bebem lágrimas de tartaruga.
view#001775 – 15 de Julho de 2024
Férias em breve. Mais de mil quilómetros em três semanas.
view#001774 – 14 de Julho de 2024
O Sonic Symbolism, da Björk, é um documento maravilhoso.