Os universos de Neil Gaiman têm algo de mito, mesmo na sua mistura de cultura pop e histórias antigas, há personagens, eventos, alegorias de imenso poder simbólico. Por exemplo, a aposta entre Dream e Death, dois irmãos que fazem uma aposta, ao escutar um homem dizer que não quer morrer nunca. O paralelo entre a conversa entre Deus e o Diabo, no livro de Job, é evidente. O Diabo diz a Deus que Job só o ama porque a vida lhe corre mal, que a perda e o sofrimento o fariam virar costas a Deus. Já a aposta que Dream faz é que alguém a quem fosse dada a eternidade, iria suplicar que o matassem ao fim de algum tempo. Num caso e noutro, o provocador é surpreendido pela tenacidade humana. Mas a resiliência humana na história de Gaiman é de sinal contrário à do livro de Job. Este, quanto mais sofre mais se aproxima de Deus. O humano a quem é dada a vida eterna (Hob Gadling), quanto mais vive mais se afasta da Morte, menos a considera aceitável. Job quer Deus (porque a vida é terrível), Hob quer a vida (e rejeita a morte) porque cada vez gosta mais de viver.
É tão estranho que até cientistas de renome, ao falar sobre o livro arbítrio, confundam o determinismo com a predestinação. Às tantas falam sobre as coisas estarem “pre-determinadas” o que não tem nada a ver com a estrutura causa-efeito defendida pelo determinismo. O determinismo faz com que, olhando para trás, se veja tudo à luz da cadeia de relações entre causas e efeitos. Mas não nos permite olhar para o futuro com a ideia de que as coisas já estão decididas. Numa conversa com dois físicos conhecidos, às tantas um deles pergunta ao outro e se um extraterrestre com tecnologia muito avançada viesse até ti, com o conhecimento de tudo o que, segundo as leis de causa e efeito, iria acontecer na tua vida? Irias querer na mesma viver? Valeria a pena, uma vez que já saberias o que iria acontecer? E não se aperceberam que a forma como a questão foi colocada ignorou a própria ideia de causa e efeito. Obviamente, há que dizer, sabermos o que “iria acontecer” é uma em si mesmo uma causa com os seus efeitos. Não é possível ao mesmo tempo viver constrangido pelas leis determinísticas e fora delas.
Vou notando duas coisas, que talvez não sejam incompatíveis: que o tempo é pouco, a vida muito mais curta que imaginava; e que importa desacelerar, só assim posso saborear o tempo que aqui tenho.
Este ano quero fazer-me à estrada sem ter tudo planeado. O essencial na bicicleta, e uma direção, sul. Olhos abertos e coração tranquilo.
É muito diferente, imagino, este mundo em que nasci e cresci, em que o entretenimento faz parte da rotina diária, do mundo que ainda está muito presente na arte, no nosso imaginário. Ainda pensamos, na ficção sobretudo, nas nossas vidas sem incluir a presença avassaladora das plataformas digitais. Mas o mundo, o nosso dia-a-dia já não é feito de tempo a mais, tédio, falta de estímulos. Nunca saberei o que é escrever, fazer música, como há 100 anos atrás – e mais – em que as distrações maiores seriam as dificuldades, fome, política, e outras circunstâncias, e não as tentações desta indústria da atenção, Netflix, Instagram e outras formas de ficar a olhar para ecrãs.
Não gosto de ser (de estar) gordo. Pior do que tudo seria obrigarem-me a aceitar-me assim. Em relação a outros problemas, este tem larga vantagem: a da plasticidade. Posso (vou) fazer o possível para emagrecer.
Demorei muito a saber do que gosto. Ainda aprendo o que funciona. E procuro paciência para aquilo em que falho. Isto é um pouco cruel, quando percebo o que queria ter sido, ter feito, por onde falhar, ao crescer, já sou velho. Se me perguntarem, olhando para o que foi a minha vida, se mudaria alguma coisa, a resposta é fácil: sim, mudaria-me a mim, aos meus interesses, aos meus hábitos, ao meu comportamento.
Vejo pouco futebol. Mas cada vez vejo mais surf. Sou, para o surf, como aqueles fãs da bola que vêm até os jogos da segunda divisão. Tenho assistido à Challenger Series com olhos esbugalhados, feliz.