Kroeber

#001662 – 24 de Março de 2024

Em breve, dois dias na Nazaré e depois pedalar costa acima até à Figueira da Foz. Se não for desta que vejo ondas gigantes, talvez para a próxima desça da Nazaré para sul.

#001661 – 23 de Março de 2024

Depois de frio e chuva, de um vento gelado, poeiras do Saara e mesmo ameaça de chuva de lama, o verão.

#001660 – 22 de Março de 2024

Seria uma pena que a maior parte dos autores escrevessem apenas sobre si, a sua etnia, a sua nacionalidade, a sua cultura. Os artistas, incluindo os escritores, são, arrisco dizer, os inventores da liberdade. Em certo sentido, testam-lhe continuamente os limites. Mas mais do que isso: vão apontando os contornos da culpa, do medo, do impulso de reprimir, de todas as fragilidades emocionais humanas que a ideologia instrumentaliza. Em tempos de guerra, ajudam a sonhar a paz, a construir um espaço mental em que ela é possível. Em tempos de paz, agitam as consciências, lembrando que há antagonismos, incapacidades, violências que não desapareceram da experiência humana.

Há quem defenda que se deve escrever sobre o que se sabe. É uma premissa que gera bons livros. Mas não pode ser a única atitude. O escritor é muitas vezes o que tenta descobrir o que não sabe. Os tais desconhecidos que ainda se desconhecem. São os autores, em alguns casos, noutros são cientistas, como Einstein, que criam experiência mentais, cenários, um contextos ficcionais em que podemos imaginar como nos comportaríamos, como seria o mundo, sendo diferente.

Para o fazer, é necessário sair do contexto do que se é, em que se nasceu, em que nos colocam. Fazer mais do que contar a nossa história. Há certamente excelente auto-ficção, em Portugal a excelente Isabela Figueiredo. E há imensos autores que escrevem com grande relevância sobre a cultura em que nasceram, o grupo a que pertencem. Mas esse é um aspecto da escrita, não me parece útil tentar fazer dessa abordagem um funil para onde tudo deve convergir. Isto tudo para dizer que me preocupa a sensibilidade actual de que escrever sobre uma cultura, um grupo, uma sociedade, uma etnia, um género, uma orientação sexual que não é a nossa é apropriação ou desrespeito. Acho o contrário. E não é o assunto, muito menos a semelhança ou diferença entre o autor e as suas personagens que tornam um livro condenável.

A ficção científica, sobretudo no mercado norte-americano, tem sido atacada destas ideias (muitas vezes bem intencionadas), consequência do neo-liberalismo vigente que desistiu da igualdade em favor da equidade e da democracia em favor da representatividade. A esquerda norte-americana mingou, mais e mais, até deixar de defender os pobres, os excluídos e os marginalizados, e passar a declamar o credo da proporcionalidade. Como se a pobreza, por exemplo, em si mesma não fosse algo a combater, apenas o facto de estar mal distribuída.

Neste contexto, querer reduzir o acto criativo à expressão pessoal faz parte ainda desta desistência com consequências sociais que não podemos ignorar. No mundo ideal destes liberais, cada um fala só de si, dos seus interesses, numa lógica de liberdade de expressão em que a liberdade é mesmo só essa, a de nos exprimirmos. Quando nos faz mais falta ainda a capacidade de termos um discurso livre (uso uma tradução mais direta da expressão feliz do inglês: freedom of speech).

#001659 – 21 de Março de 2024

Algo de semelhante se passou com o desporto. Recomecei a estar activo depois dos 30 anos. Primeiro com os patins. Depois com a bicicleta, depois com a halfbike. E mais recentemente, com o surfskate.

#001658 – 20 de Março de 2024

Entre os 19 anos e os 27, 28, escutei muito pouca música nova.

#001657 – 19 de Março de 2024

Há 14 anos atrás voltei a escutar música, em grande abundância e diversidade. Comecei pela música pesada, pelo post-metal da época. E depois veio tudo o resto.

#001656 – 18 de Março de 2024

A editora Ripple Music tem no seu catálogo uma banda chamada Nyctophillia, palavra que o Google me diz ser a predilecção pela escuridão. Outra banda da mesma editora tem um álbum de nome Nyctophobic. Não é exatamente uma contradição. Tal como no cinema de horror, no imaginário do heavy metal a repulsa e a atração são duas forças simétricas de uma mesma tensão. Na verdade, quem mais se sentirá atraído pela escuridão é quem dela tem medo.

#001655 – 17 de Março de 2024

Os YOB lançam no Bandcamp a Demo com que tudo começou há 24 anos. Eu recomeço a aprender a andar de surfskate. Escutei a banda americana ao vivo quando vivia em Atenas. Nessa altura pegava na Halfbike ou nos patins e ia até ao estádio olímpico, que ficava a umas 6 paragens de metro da zona onde vivia. Havia quem andasse de skate e longboard. O espaço era óptimo para rodas. E o tempo perfeito. A vida nunca tem ao mesmo tempo as coisas que só o envelhecimento nos mostram ser as nossas favoritas. Temos de mudar, para ver com outros olhos o que lembramos. É sempre tarde e nunca é tarde.

#001654 – 16 de Março de 2024

O Trip Hop envelheceu muito bem. Continua intenso e terno e sombrio e cheio de groove.

#001653 – 15 de Março de 2024

Escreve Susan Neiman em “Left Is Not Woke”:

I am not an ally. Convictions play a minor role in alliances, which is why they are often short. If my self-interest happens to align with yours, for a moment, we could form an alliance. The United States and the Soviet Union were allies until the Nazi regime was defeated. When the U.S. decided its interests lay in recruiting former Nazis to defeat communism, the Soviet Union turned from ally to enemy. What interest led millions of white people into plague-threatened streets to shout “Black Lives Matter”? This was no alliance, but a commitment to universal justice. To divide members of a movement into allies and others undermines the bases of deep solidarity, and destroys what standing left means.

E escreve Franco “Bifo” Berardi em “After the Future”:

Connectivity and precariousness are two sides of the same coin: the flow of semiocapitalist production captures and connects ellularized fragments of de-personalised time; capital purchases fractals of human time and recombines them in the web. From the standpoint of capitalist valorisation, this flow is uninterrupted and finds its unity in the object produced; however, from the standpoint of cognitive workers the supply of labor is fragmented: fractals of time and pulsating cells of labor are switched on and off in the large control room of global production.

Quando li a passagem de Neiman lembrei-me de imediato do livro de Franco Berardi. Cada um dos autores marxistas fala de coisas diferentes, nestes livros. Mas um e outro têm uma visão semelhante da acção colectiva. Para Susan Neiman não é suficiente sermos aliados, é preciso o comprometimento que vem apenas quando assumimos a causa como nossa. Para Berardi, é desoladora a ideia de sermos átomos indiferenciados, numa sociedade que nos isola, e em que nos conectamos como peças semelhantes de uma máquina que nos ultrapassa, que nos instrumentaliza e controla. Franco “Bifo” Berardi diz que é preciso a conjunção, não apenas a conexão. Escreve o autor italiano:

Conjunction is becoming-other. In contrast, in connection each element remains distinct and interacts only functionally. Singularities change when they conjoin; they become something other than they were before their conjunction. Love changes the lover and a combination of a-signifying signs gives rise to the emergence of a meaning that does not exist prior to it. Rather than a fusion of segments, connection entails a simple effect of machinic functionality. In order to connect, segments must be compatible and open to interfacing and inter-operability.