#001620 – 11 de Fevereiro de 2024
Primeiro World Cup de Wingfoil em Cabo Verde. É incrível ver novos desportos nascer. Especificamente estes desportos de fusão. Como Wakeskate ou Wingfoil. Tão entusiasmantes como o Sepak Takraw.
Primeiro World Cup de Wingfoil em Cabo Verde. É incrível ver novos desportos nascer. Especificamente estes desportos de fusão. Como Wakeskate ou Wingfoil. Tão entusiasmantes como o Sepak Takraw.
Depois de partir o coração a assistir a Holocausto Brasileiro, escuto um debate sobre o Bem e o Mal. E, mesmo no final, recupero um pouco de sanidade com o riso, que partilho, que Zizek consegue provocar num ex-Bispo da Cantuária, ao citar São Agostinho numa piada sobre a ereção.
The Owl in Daylight é o mais incrível livro inexistente que li. Imagino-o a figurar na Library of Dream, que Neil Gaiman escreveu nas páginas de Sandman, essa biblioteca de todos os livros inacabados. Lugar de eleição para as obras inexistentes dos autores que Vila-Matas descreve em Bartleby & Companhia. Mas K. Dick é um autor real, importante para lá da ficção científica. E este não-livro de Philip K. Dick é real. Sabemos da sua história, da sua génese, da dificuldade de o escrever nas entrevistas com Gwen Lee, editadas com o maravilhoso título “What if our world is their Heaven”? Não existindo, li sobre ele nas palavras do autor e de alguma forma foi como se o lesse ainda mais profundamente. Quero forçar uma comparação com o documentário sobre o inexistente Dune de Jodorowsvki, mas felizmente não me sai nada. Estou cansado depois de doze horas nas urgências, ao menos ponho a leitura em dia.
Há talvez uns dois meses, acordei a meio da noite com uma história na cabeça. No meio do quarto, cheio de sono, não encontrei caneta. Nem consegui acender a luz. De olhos remelentos mas determinado, acabei por usar o telemóvel para escrever a sinopse de um conto, que aqui transcrevo, com algumas correções e acrescentos, e que é a única narrativa, à data, que escrevi sobre ou com fantasmas. É uma história de amor, triste. Aqui vai. Talvez lhe chame “O pesadelo possível”, se não surgir melhor nome.
—– | —-
Laura era uma fantasma desajeitada. Tropeçava, caindo, através das pessoas vivas. Esquecia-se da sua imaterial presença, falava como se esperasse resposta. Nem sabia bem para onde ia. Perdeu, ao morrer, toda a noção do tempo. Não faz ideia que há um instante atrás ainda vivia.
Olha em redor, vendo apenas o mundo dos vivos. À sua frente Luísa, que está viva. Mas em grande dor, debruçada sobre o cadáver de Laura, o seu cadáver. Quer abraçá-la. Dizer-lhe: estou aqui. Mas já não está. Há meros instantes, atirou-se para a frente de um autocarro e salvou, empurrando, a mulher que ama.
Nessa noite aproxima-se da cama de Luísa, que dorme depois de lhe injetarem tranquilizantes. Olha para ela e tudo muda à sua volta. Chega a pensar que finalmente estará no purgatório. Mas apercebe-se que está dentro do sonho de Luísa. Fala para ela, no sonho, e diz-lhe que está viva. Logo a seguir vê o desespero da sua viúva, que acorda e se lembra de novo que Laura morreu por ela. A culpa é tão grande como a perda.
Nas noites seguintes, visita-a nos sonhos, decidida a convencê-la que, não estando viva, não desapareceu e ainda a ama. Passa a assombrar o sono e, por consequência, a vida da sua amada. Uma noite, durante o sonho, Luísa finalmente acredita e nesse momento acorda. Depois de tanto escutar a mesma voz, a dizer-lhe com a mesma convicção, estou perto, morri mas estou perto, acredita. Isto não pode ser um sonho, é mesmo Laura. Acorda em sobressalto, assustada com a a crueldade desta esperança.
Laura, fantasma, grita: adormece, junta-te a mim, adormece. Depois de muitas horas, finalmente o cansaço leva Laura a adormecer e o sonho torna de novo Luísa real. É pouco, mas mesmo isso se dissolve, açúcar inútil a cair num mar de escuridão. Luísa vai passar sempre a acordar, como se assustada de feliz, assim que reencontra Laura num sonho.
Estou há seis horas e meia nas urgências. Entrei pouco antes das 21h00. Já me foi dito que ficarei até de manhã, porque não há ecografias de noite. E penso nos políticos que querem privatizar a saúde e atirar-nos aos lobos das seguradoras, como nos países em que milhões de pessoas não têm acesso a cuidados de saúde. Tenho espondilite anquilosante, problemas nos rins, sou bipolar e recupero agora de uma pequena cirurgia num local delicado e surgiu-me um hematoma. Sempre que tive de vir aqui, incluindo hoje, fui tratado com dignidade e profissionalismo. Quero que os profissionais de saúde ganhem mais e tenham o descanso necessário. E temo um futuro próximo em que os cuidados de saúde, como de resto já tanta coisa nos dias de hoje, sejam vistos não como um direito mas como um privilégio.
Deixo aqui momentos para futuras viagens no tempo. Não tanto viagens, mas vislumbres. E o atraso com que escrevo cada instantâneo do passado vai confundir um pouco as coisas. Pouco importa. A diferença entre um e outro dia, entre uma noite e a anterior, atenua-se com o passar dos anos.
Preocupado com a saúde, coisa que me ocupa diariamente, descuro a escrita neste diário. Hoje é 27 de Fevereiro e venho de novo às urgências. Preparo-me para passar aqui horas, para que um médico me examine, depois de a recuperação da cirurgia não estar a correr bem. Pulseira amarela, quatro horas de espera previstas. Memórias Póstumas de Brás Cubas para ler e terminar.
Severance é brilhante. Mas além disso toca-me de forma profunda, unindo o que tenho vindo a ser política e emocionalmente. Não me lembro de outra série de ficção científica assim. Ainda estou a tentar digerir o que vi e falta-me assistir aos dois últimos episódios. Mas há já duas coisas que me ocorre dizer.
A primeira é que a série não se encaixa na sensibilidade identitária que o meu lado político, a esquerda, tem vindo a deixar tornar-se mainstream. Sendo uma distopia, o universo em que as personagens se movem é totalmente desprovido de racismo ou sexismo, ou de qualquer outro tipo de descriminação baseada nas características pessoais. O que fica claro é que o grande separador político é o poder. O fosso é entre os que dominam e os que são subjugados. E por isso o que pode unir as pessoas não é essa fragmentada ideia de camadas de identidade que se partilham com algumas pessoas e não com outras. O que nos une é a vontade de autonomia política, o desejo de liberdade e respeito, de vivermos segundo as nossas próprias aspirações, sem coação.
A segunda nota é sobre algo que me toca de forma ainda mais profunda. Escrevo precisamente antes de terminar o sétimo episódio. O momento em que Irving diz, “let's burn this place to the ground”. Irving era o mais fervoroso empregado, completamente imerso na meta-religiosidade que faz do handbook da empresa uma bíblia. Tinha sempre uma citação dos fundadores para cada ocasião e via os desvios à ideologia corporativa como heresias. E apaixonou-se. Desde que conheceu Burt, que renasceu. Durante um tempo, conciliou a paixão que nascia em si com a devoção pela distópica empresa em que trabalha. Mas o momento de ruptura dá-se quando é a própria estrutura, a lógica fundadora da Lumon que impede a consumação do amor entre Irving e Burt. Isto comove-me porque sinto que nada há de mais utópico e revolucionário que o amor entre duas pessoas. E no amor de Irving por Burt há essa faísca revolucionária, que muda Irving e o faz agir no mundo.
E no meio de tanta incerteza, de eleições que se aproximam, o Sora da Open AI mostra que a IA generativa já consegue criar vídeo com uma qualidade impressionante. Em todos os sentidos, bons e maus.