Kroeber

#001636 – 27 de Fevereiro de 2024

O optimismo é uma posição pouco, cada vez menos, popular. As duas críticas que mais frequentemente lhe apontam partem de uma mesma ideia. A de que o optimismo é inimigo do realismo. Uma delas atribui ao optimismo o erro de achar que as coisas estão bem, mesmo contra as evidências. A outra, semelhante, acusa o optimista de se convencer que as coisas ficarão bem, mesmo sem nenhum elemento que o sugira.

Pois eu, sendo optimista, sofro talvez da mesma estreiteza preconceituosa dos críticos vindos do lado pessimista da humanidade. Geralmente vejo a posição pessimista como cínica, como uma defesa de que não vale a pena fazer nada, porque as coisas estão mal ou porque, apesar dos nossos esforços, ficarão mal.

Digo que sou optimista, mas a minha predisposição parece-me modesta: embora considere que as coisas estão mal, julgo que vale a pena tentar melhorá-las.

#001635 – 26 de Fevereiro de 2024

O espaço disponível para a esquerda não-identitária é limitado. O neo-liberalismo conseguiu mercantilizar quase tudo, transformar em produto cada aspiração pessoal, chamar privilégio a cada um dos direitos sociais, explorar enquanto nichos de mercado cada sub-cultura. E até vender a sua própria ideologia como política progressista, convencer-nos que votamos com a carteira, que ao escolher o que comprar, o que boicotar, estamos a fazer activismo. Se olharmos para os EUA e o Brasil, o triunfo deste novo tipo de populismo ajudou a entrincheirar a política. Há o risco de criar blocos morais, em que a dissidência é vista como traição, em que a diferença de opinião é encarada como falha ideológica intolerável. Tendo visto o estrago noutros países, convém tomarmos a vacina. É a diversidade de tendências, a insistência na discussão, a tradição académica, a própria dissidência intelectual que dá força à esquerda. Todas as vezes que na história essa dissidência foi reprimida isso era sintoma de totalitarismo, censura, autoritarismo. Que ela aconteça na extrema direita não nos surpreende. Que aconteça à esquerda deve preocupar-nos. Não devemos deixar que ninguém nos coloque em trincheira, que escolha por nós a lista de items a defender nem que nos diga que modalidades de pensamento são aceitáveis. E, sobretudo, não podemos limitar a política ao meme, ao vídeo de segundos, ao comentário sarcástico, à internet. É tempo de sermos cidadãos e cidadãs, democratas, em solidariedade, com liberdade de pensamento e lucidez.

#001634 – 25 de Fevereiro de 2024

Os emigrantes a votar num partido anti-emigração. A política do medo, do ódio, do “ajuste de contas” com a história dispensa a concórdia, a razão, a justiça.

#001633 – 24 de Fevereiro de 2024

O documentário sobre o Herzog começa com a frase, usada com pertinente sentido de humor e lucidez, “based on a true story”.

#001632 – 23 de Fevereiro de 2024

Volto a traduzir, diariamente. Recomeçar recomeços, interromper interrupções, é talvez o meu único talento consistente e fidedigno.

#001631 – 22 de Fevereiro de 2024

Os meus pais fizeram 50 de casados. Foi bom celebrar com a família, juntar gerações à volta da mesa.

#001630 – 21 de Fevereiro de 2024

Do lado de fora da janela os pássaros do costume assinalam-me a insónia. Quando ouço este canto, em todo o caso bastante agradável, sei que é muito tarde. Têm o ritmo de uma conversa, frases melódicas e um silêncio seguido de resposta. Leio o livro do Manuel Abrantes. É um primeiro romance excepcional.

#001629 – 20 de Fevereiro de 2024

Greve dos jornalistas, finalmente. Nos mais de vinte anos desde que terminei o curso de jornalismo não houve uma única greve do sector em Portugal. De facto, não havia greve de jornalistas há cerca de 40 anos. Numa profissão com condições tão precárias, já vem tarde. Com a ascensão dos spin dictators, o ataque a whistleblowers e figuras como Assange e a jornalistas como Jamal Khashoggi, nunca foi tão importante como agora haver jornalismo independente e redações com alguma resiliência em relação às pressões económicas e políticas. Têm a minha solidariedade. Não podemos ficar entregues ao fake e ao spin e os jornalistas têm de ser devidamente recompensados e a sua actividade dignificada.

#001628 – 19 de Fevereiro de 2024

Mais intrigante do que a origem das palavras é a história de como muda o seu significado. Ao traduzir um trecho, vou procurar sinónimos de deferência, palavra precisa mas feia. Deparo-me com condescendência e apercebo-me que significa também, segundo Priberam, “Flexibilidade de carácter que se acomoda ao gosto e vontade doutros”. Condescender, imagino, será o que um servo, um criado, um subalterno faria em relação aos desejos e ordens de um superior. Talvez a filigrana do discurso, necessária para acudir ao engolir de sapos e à adequação a caprichos irrazoáveis, tenha criado um tom que ainda hoje reconhecemos como sarcástico. Algo semelhante aconteceu com a expressão LOL, ocorre-me. LOL, inicialmente abreviação de “laughing out loud” era usado para expressar riso por escrito. O que significa que poderíamos escrevê-lo sem rir. Dito, como agora, de viva voz, sem riso, é imediatamente sarcástico. Ou, mais precisamente, condescendente.

#001627 – 18 de Fevereiro de 2024

Estou 25 dias atrasados em relação à realidade do calendário. Datar é confundir. É talvez o facto mais revelador em todo este diário online.