Kroeber

#001616 – 07 de Fevereiro de 2024

Estou há seis horas e meia nas urgências. Entrei pouco antes das 21h00. Já me foi dito que ficarei até de manhã, porque não há ecografias de noite. E penso nos políticos que querem privatizar a saúde e atirar-nos aos lobos das seguradoras, como nos países em que milhões de pessoas não têm acesso a cuidados de saúde. Tenho espondilite anquilosante, problemas nos rins, sou bipolar e recupero agora de uma pequena cirurgia num local delicado e surgiu-me um hematoma. Sempre que tive de vir aqui, incluindo hoje, fui tratado com dignidade e profissionalismo. Quero que os profissionais de saúde ganhem mais e tenham o descanso necessário. E temo um futuro próximo em que os cuidados de saúde, como de resto já tanta coisa nos dias de hoje, sejam vistos não como um direito mas como um privilégio.

#001615 – 06 de Fevereiro de 2024

Deixo aqui momentos para futuras viagens no tempo. Não tanto viagens, mas vislumbres. E o atraso com que escrevo cada instantâneo do passado vai confundir um pouco as coisas. Pouco importa. A diferença entre um e outro dia, entre uma noite e a anterior, atenua-se com o passar dos anos.

#001614 – 05 de Fevereiro de 2024

Preocupado com a saúde, coisa que me ocupa diariamente, descuro a escrita neste diário. Hoje é 27 de Fevereiro e venho de novo às urgências. Preparo-me para passar aqui horas, para que um médico me examine, depois de a recuperação da cirurgia não estar a correr bem. Pulseira amarela, quatro horas de espera previstas. Memórias Póstumas de Brás Cubas para ler e terminar.

#001613 – 04 de Fevereiro de 2024

Severance é brilhante. Mas além disso toca-me de forma profunda, unindo o que tenho vindo a ser política e emocionalmente. Não me lembro de outra série de ficção científica assim. Ainda estou a tentar digerir o que vi e falta-me assistir aos dois últimos episódios. Mas há já duas coisas que me ocorre dizer.

A primeira é que a série não se encaixa na sensibilidade identitária que o meu lado político, a esquerda, tem vindo a deixar tornar-se mainstream. Sendo uma distopia, o universo em que as personagens se movem é totalmente desprovido de racismo ou sexismo, ou de qualquer outro tipo de descriminação baseada nas características pessoais. O que fica claro é que o grande separador político é o poder. O fosso é entre os que dominam e os que são subjugados. E por isso o que pode unir as pessoas não é essa fragmentada ideia de camadas de identidade que se partilham com algumas pessoas e não com outras. O que nos une é a vontade de autonomia política, o desejo de liberdade e respeito, de vivermos segundo as nossas próprias aspirações, sem coação.

A segunda nota é sobre algo que me toca de forma ainda mais profunda. Escrevo precisamente antes de terminar o sétimo episódio. O momento em que Irving diz, “let's burn this place to the ground”. Irving era o mais fervoroso empregado, completamente imerso na meta-religiosidade que faz do handbook da empresa uma bíblia. Tinha sempre uma citação dos fundadores para cada ocasião e via os desvios à ideologia corporativa como heresias. E apaixonou-se. Desde que conheceu Burt, que renasceu. Durante um tempo, conciliou a paixão que nascia em si com a devoção pela distópica empresa em que trabalha. Mas o momento de ruptura dá-se quando é a própria estrutura, a lógica fundadora da Lumon que impede a consumação do amor entre Irving e Burt. Isto comove-me porque sinto que nada há de mais utópico e revolucionário que o amor entre duas pessoas. E no amor de Irving por Burt há essa faísca revolucionária, que muda Irving e o faz agir no mundo.

#001612 – 03 de Fevereiro de 2024

Recuperação da cirurgia. Pontos, gelo, falta de movimento.

#001611 – 02 de Fevereiro de 2024

E no meio de tanta incerteza, de eleições que se aproximam, o Sora da Open AI mostra que a IA generativa já consegue criar vídeo com uma qualidade impressionante. Em todos os sentidos, bons e maus.

#001610 – 01 de Fevereiro de 2024

A série Bodies é uma boa surpresa.

#001609 – 31 de Janeiro de 2024

As eleições são demasiado parecidas com o consumo. Dá a ideia que escolhemos de um menu, como o de um restaurante. E que depois as escolhas mais populares nos serão dadas a comer. Mas a política é também a luta de definir que escolhas temos, se é que temos de facto escolha alguma. E cada vez são mais os que pretendem restringir a capacidade de determinarmos o nosso próprio futuro. O perigo chegou a Portugal, depois de vermos os estragos que fez pela Europa e pelas Américas. Daqui a muito pouco tempo, poderá haver mais poder para quem só dele quer abusar.

#001608 – 30 de Janeiro de 2024

Tenho quase a idade do 25 de Abril. Envelheço com o horror de ver que a fragilidade da nossa democracia tem numerosos inimigos. Não da fragilidade, mas da democracia.

#001607 – 29 de Janeiro de 2024

Vejo debates políticos. É uma forma de masoquismo necessário.