#001482 – 26 de Setembro de 2023
The Quadruple Object, do Graham Harman, quarta temporada de Sex Education. Ombro a ser cuidado por mãos que curam. Dióspiros da árvore que o meu pai plantou. Volume 11 de Saga, do Brian K. Vaughan.
The Quadruple Object, do Graham Harman, quarta temporada de Sex Education. Ombro a ser cuidado por mãos que curam. Dióspiros da árvore que o meu pai plantou. Volume 11 de Saga, do Brian K. Vaughan.
Amanhã osteopata. São muitas mazelas, nem todas físicas. Mas é sempre o corpo o fulcro de tudo. A minha forma de evitar o dualismo é acreditar no corpo, como o local do pensamento, do sentimento, da acção, da memória. Há apenas corpo, sobretudo corpo, ainda corpo. Talvez a consciência seja algo aquém do corpo. O lugar primordial, antes que uma dor, uma memória específicas nos distraiam do que é tudo. Ser consciente talvez seja esse momento antes de o corpo ser separação, esse lugar momento em que não me separo de tudo o resto, de todos os outros. Estas mazelas, nem todas físicas, são uma distração. Mas não me definem. Não são sequer um contorno, uma fronteira. São momentos de queda e vulnerabilidade, de reconhecimento de que existo. É necessário o instante a seguir, em que reconheço que não sou o centro de tudo.
Por duas vezes, encontrei o amor da minha vida. Não sei se tenho fôlego para me abrir assim ao mundo, ao sofrimento, à felicidade, de novo. Mas sei já que não é impossível, que sou capaz dessa vulnerável força de viver, esse voo na direção de um outro céu, esse encontro com o desconhecido, até com o que desconheço em mim. Não preciso de deuses nem de superstições nem de mitologias românticas para acreditar no amor. Basta-me a memória. E com um pouco mais de sanidade serei até capaz de não desistir.
Tudo o que não escreverei aqui, tudo o que sinto e não sei descrever, o que vivo e não vou repetir, o que sou e não posso descobrir, o que desejo e me destrói, o que tenho e não me serve, o que sonho e não me motiva, o que penso e me paralisa, tudo o que é e não quero. Existe, demais.
Talvez a felicidade seja uma ameaça que a depressão não consegue suportar. A possibilidade de futuro é também a hipótese de que as coisas serão diferentes, que eu serei diferente, e ainda assim o mundo fará sentido. O apego ao que fui faz-me agarrar à dor, como se ela melhor me definisse. Mas sou do mais que as feridas por sarar. E há futuro.
Tinha-me esquecido das semelhanças entre Sense8 e The OA. Deste optimismo que acredita que é possível formar uma tribo, no meio do trauma, e ser ainda feliz, resistindo ferozmente ao cinismo e ao medo.
Escrever todos os dias num diário é como acordar. Custa o instante de ceder, de abrir os olhos. Mas é a única forma de continuar a viver.
Comove-me o grunhido “Deep Blue” na primeira faixa de Rough Magic. Roomful of Teeth é um colectivo surpreendente, as composições verdadeiramente ecléticas, as vozes conhecedoras de tradições diferentes. E, penso que pela primeira vez, numa composição deste género, um growl de heavy metal é usado. É um momento tocante. Não foram artistas de heavy metal que quiseram vestir a sua música de outras tradições. Foi ao contrário. A canção é a primeira parte de uma trilogia sobre o programa da IBM que derrotou Kasparov. E por isso o facto de ser um grunhido é curioso. Na tradição do metal, é a animalidade da nossa condição humana, ou a intensidade das nossas emoções que é expressa com aspereza vocal; ou a sugestão de espíritos, demónios, ou forças da natureza que não controlamos. Aqui, é a presença da máquina que se assinala com um grunhido, a ameaçar a beleza harmónica do resto da composição. Ben Frost, em “Undulating Beast” tem um grunhido ameaçador como fundo a sons sintetizados. Mas a impressão é a oposta da que me atingiu com a faixa de Roomful of Teeth. Frost coloca um fundo animal, sem ritmo nem melodia, que parece querer defender-se ou que resiste aos sons sintéticos que o envolvem. É vulnerável e belo o grunhido, visceral, telúrico. Já quando Deep Blue é grunhido, nos primeiros momentos de Rough Magic, é como algo que se assinala, brevemente, um susto. E não há, como na faixa de Ben Frost, uma dança a formar-se entre máquina e besta. Na composição dos Roomful of Teeth, a besta é a máquina, e é o humano que é vulnerável e belo.
Catharsis, dos YOB, conduz-me. Deixo a luz inundar-me os poros, o som perfurar a cinza endurecida, riffs como ondas de areia a amaciar a rocha do meu passado. O ego vai-se dissolvendo, até que não reste discurso, apenas consciência. Até amar o que é e perder o apego ao que desejo.