Kroeber

#001486 – 30 de Setembro de 2023

O comboio encosta-se à sua velocidade de embalar. O sol atravessa as janelas com um vigor fora de estação. O coração aceita os efeitos do tempo. O pensamento contradiz-se, e nem percebe bem o que importa.

#001485 – 29 de Setembro de 2023

Bombas de sementes, fim de Setembro, lentidão.

#001484 – 28 de Setembro de 2023

Verão fora de tempo. Caminhada, já que não posso andar de bicicleta até à cirurgia. Pelo caminho, sol, muito sol, árvores e dois gatos simpáticos. E uma noção, muito nítida, de gratidão pelos amigos que tenho. Caminhar ajuda o pensamento a encaixar-se nos espaços entre emoções.

#001483 – 27 de Setembro de 2023

Sou bipolar, hipertenso, provavelmente autista, bissexual escondido bem fundo no armário, tenho espondilite anquilosante, sou impotente e doente renal. Mas nada disso me define. Gosto do mar, de ficção científica, de abraços, gosto muito de beijos, do silêncio no meio das árvores, de bicicleta e patins, de surf embora não surfe, de skate embora não me equilibre num skate. Tenho medo da dor, embora tenha tatuagens que demoraram mais de 10 horas a tatuar, tenho medo da insanidade, tenho medo de cobras. Não sou patriota, nem religioso. Não sou de terra nenhuma, nem minimamente bairrista. Vivi em sítios diferentes e não nasci neste país. Sinto-me em casa onde estão os meus amigos e sou muito ligado à minha família mas nada conservador. Vejo no moralismo um veneno e não acredito que a ética deva depender de uma ideologia ou espiritualidade. Sou anarquista e gosto da palavra utopia. Como o David Graeber, acredito que devemos agir como se já fossemos livres. E como a Ursula K. Le Guin, acredito que a recompensa do escritor é a liberdade. Dou pouca importância às fronteiras mas muita à língua e à história. Como o George Steiner, acredito que uma língua transporta a história de um povo. Choro com facilidade, sobretudo de felicidade. Sou talvez demasiado empático, o que me cria dificuldades. Não esqueço, infelizmente, de quanto me magoaram. Também já magoei outras pessoas, que não o mereciam. Apaixono-me raramente e nunca me desapaixonei. Sou difícil de aturar. Falo muito mas muitas vezes não digo o que é mais importante, na altura que faz sentido. Sou imaturo. Sou irresponsável com o dinheiro. Sou leal com o meu empregador embora seja anti-capitalista. Lido mal com a ambiguidade, às vezes nem sequer entendo o que me dizem. Prefiro o que é literal, direto, inequívoco. Socialmente sou pouco hábil embora me agrade muito conhecer uma pessoa nova. Não sei se vou publicar este texto, sei que a internet tem uma memória longa e os trolls são cada vez mais infecciosos. Mas acho que o farei. A reserva com que geralmente publico terá aqui uma pausa, breve. Sinto-me vulnerável, o que me dá uma confiança estúpida, de quem acha que não se magoará ainda mais, de quem se sente livre, ou assim quer agir.

#001482 – 26 de Setembro de 2023

The Quadruple Object, do Graham Harman, quarta temporada de Sex Education. Ombro a ser cuidado por mãos que curam. Dióspiros da árvore que o meu pai plantou. Volume 11 de Saga, do Brian K. Vaughan.

#001481 – 25 de Setembro de 2023

Amanhã osteopata. São muitas mazelas, nem todas físicas. Mas é sempre o corpo o fulcro de tudo. A minha forma de evitar o dualismo é acreditar no corpo, como o local do pensamento, do sentimento, da acção, da memória. Há apenas corpo, sobretudo corpo, ainda corpo. Talvez a consciência seja algo aquém do corpo. O lugar primordial, antes que uma dor, uma memória específicas nos distraiam do que é tudo. Ser consciente talvez seja esse momento antes de o corpo ser separação, esse lugar momento em que não me separo de tudo o resto, de todos os outros. Estas mazelas, nem todas físicas, são uma distração. Mas não me definem. Não são sequer um contorno, uma fronteira. São momentos de queda e vulnerabilidade, de reconhecimento de que existo. É necessário o instante a seguir, em que reconheço que não sou o centro de tudo.

#001480 – 24 de Setembro de 2023

Por duas vezes, encontrei o amor da minha vida. Não sei se tenho fôlego para me abrir assim ao mundo, ao sofrimento, à felicidade, de novo. Mas sei já que não é impossível, que sou capaz dessa vulnerável força de viver, esse voo na direção de um outro céu, esse encontro com o desconhecido, até com o que desconheço em mim. Não preciso de deuses nem de superstições nem de mitologias românticas para acreditar no amor. Basta-me a memória. E com um pouco mais de sanidade serei até capaz de não desistir.

#001479 – 23 de Setembro de 2023

Tudo o que não escreverei aqui, tudo o que sinto e não sei descrever, o que vivo e não vou repetir, o que sou e não posso descobrir, o que desejo e me destrói, o que tenho e não me serve, o que sonho e não me motiva, o que penso e me paralisa, tudo o que é e não quero. Existe, demais.

#001478 – 22 de Setembro de 2023

Talvez a felicidade seja uma ameaça que a depressão não consegue suportar. A possibilidade de futuro é também a hipótese de que as coisas serão diferentes, que eu serei diferente, e ainda assim o mundo fará sentido. O apego ao que fui faz-me agarrar à dor, como se ela melhor me definisse. Mas sou do mais que as feridas por sarar. E há futuro.

#001477 – 21 de Setembro de 2023

Tinha-me esquecido das semelhanças entre Sense8 e The OA. Deste optimismo que acredita que é possível formar uma tribo, no meio do trauma, e ser ainda feliz, resistindo ferozmente ao cinismo e ao medo.